terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O MÉTODO DA FILOSOFIA POLÍTICA DE HOBBES

O Método Hobbesiano Autor: * Mauro Ferreira de Souza é Bacharel em Teologia e Filosofia com Especialização e Mestrado nestas áreas e História. Todos pelas Universidades Mackenzie e Metodista A metodologia da teoria de Thomas Hobbes no estudo da ciência política foi desenvolvida segundo a maioria dos estudiosos do autor, utilizando o método resolutivo-compositivo ou mais especificamente uma técnica “resolutivo-sintético, associado a Galileu e Bacon, e parcialmente do raciocínio dedutivo que tanto o impressionou em Euclides. O “resolutivo” em latim (resolutio), é a análise, enquanto que compositivo em latim (compositio), é a síntese, ou composição daquilo que foi detalhadamente analisado. Partido deste método, Hobbes entendia que para se chegar a uma “compreensão segura da política, deve-se primeiro analisar ou resolver em suas menores partes os todos sociais, isto é, os seres sociais individualmente” (Adams & Dyson, 2006, p.49). O seu método já aparecera em seus dois primeiros tratados: “A Short tract on first principles” (Breve Tratado sobre os primeiros princípios) escrito por volta de 1630 e em 1640 os “The elements of Law natural and politic” (Elementos da Lei Natural e Política). É significativo afirmar como discorremos a pouco, que estes dois tratados foram escritos numa Inglaterra abalada por lutas sociais e políticas, e este contexto dará base para o pensamento hobesiano. Em “De Cive”, logo no prefácio de sua obra, Hobbes compara o Estado a um relógio, e aí começam a ficar claras as características de sua metodologia: Com efeito, conhecemos muito melhor uma coisa através dos elementos de que ela se constitui. Assim como não se pode saber, num relógio mecânico ou noutra máquina um pouco mais complexa, qual a função de cada parte ou roda, se ele não for desmontado e separadamente examinado o material, o desenho e o movimento: assim também, para estudar o direito da Cidade e os deveres dos cidadãos, precisamos, sem desmontar a Cidade, considerá-la como desmontada: isto é, para compreender corretamente a condição da natureza humana, com o uso de quais meios ela é capaz ou incapaz de dar corpo à Cidade; de que modo hão de ajustar-se entre si os homens, se querem alcançar a união. (HOBBES: 2002, I, II). Para compreender a natureza humana e a sociedade, Hobbes com sua técnica investigativa, em sua obra “De Corpore” aparece riquícios de nominalismo. Neste sentido, “Hobbes é um nominalista em seu modo de ver a linguagem” (Adams & Dyson, 2006, p.50). Isso fica de forma mais clara no “Leviatã” as idéias do “De Corpore”. Ao analisar o Estado, na sua magna obra, faz como um relojoeiro ao tentar conhecer a mecânica de um relógio: decompõe o Estado, analisa seus elementos, que são os homens e depois reformula o Estado. Daí se conclui que Hobbes era mecanicista. O entendimento humano é elevado à condição de artífice do universo simbólico. Desse modo, os universais não estão nem na mente de Deus nem nas coisas sensíveis. Hobbes situaria a verdade nas denominações das coisas e não nas coisas em si mesmas. E, de outro, Hobbes tornaria a verdade dependente do arbítrio humano. O conhecimento empírico envolve basicamente sensação, memória e imaginação. Estas duas últimas consistem em sensações em vias de degradação, de modo que não se distinguem tanto da primeira, mas a envolvem. Hobbes afirma que este gênero de conhecimento é absoluto, pois nos assegura a evidência de uma existência atual. Hobbes, todavia, não reconhece qualquer capacidade no espírito pela qual ele possa representar um termo universal. Os universais somente nascem mediante um processo de significação, o qual é uma operação lingüística. Por outro lado, aproximando de Maquiavel, e do seu empirismo radical, Hobbes ao partir de um método de pensar rigorosamente dedutivo. A humanidade no estado puro ou natural era uma selva. A humanidade no estado social, constituído por sociedades civis ou políticas distintas, por estados soberanos, não tinha que recear um regresso à selva no relacionamento entre indivíduos, a partir do momento em que os benefícios consentidos do poder absoluto, em princípio ilimitado, permitiam ao homem deixar de ser um lobo para os outros homens. Hobbes assume que a razão é sinônima do cálculo no sentido da adição e subtração de nomes gerais criados para marcar e significar e, no caso, representar nossos pensamentos. A razão tem um papel preponderante na filosofia hobbesiana, apesar de ser um uso aperfeiçoado da imaginação, pela aplicação correta da análise (descobertas de definições e noções pela experiência) e da síntese (conclusões retiradas das deduções das primeiras idéias) e sua função será imprescindível para o desenvolvimento do processo de conhecer. (BUENO: 2010, p.7-pdf). Em seu nominalismo, caracterizam os conceitos como representações das distintas e diversas sensações que são expressas por um nome comum. Com base no modelo dos átomos galileano separados em partes infinitamente pequenas, a mente opera com os conceitos através de análise e síntese, dividindo-os e compondo-os, no interior dos objetos a serem conhecidos, ligando suas características em antecedentes e conseqüentes. Por exemplo: adicionando o conceito de animalidade ao de racionalidade temos o conceito de homem, e subtraindo do conceito de homem o de racionalidade temos o conceito de animal. Hobbes explica sua metodologia no "Leviatã" da seguinte maneira: "[...] primeiro através de uma adequada imposição de nomes, e em segundo lugar através de um método bom e ordenado de passar dos elementos, que são nomes, a asserções feitas por conexão de um deles com o outro, e daí para os silogismos, que são as conexões de uma asserção com outra, até chegarmos a um conhecimento de todas as conseqüências de nomes referentes ao assunto em questão, e é a isto que os homens chamam de ciência. [...] a ciência é o conhecimento das conseqüências, e a dependência de um fato em relação a outro, pelo que, a partir daquilo que presentemente sabemos fazer, sabemos como fazer qualquer outra coisa quando quisermos, ou também, e, outra ocasião. Porque quando vemos como qualquer coisa acontece, devido a que causas". (HOBBES: 2002, p.17). Segundo outros estudiosos de Hobbes sua metodologia também parte dos pressupostos da empiria e do mecanicismo desenvolvido naquele contexto. Parece que a intenção de Hobbes segundo alguns comentadores seria criar uma filosofia política ou no que hoje se conhece como ciência política. Para isso não partiria apenas de princípios de defesa ou não dos sistemas de governos puros e simples, mas desenvolveria todo um sistema para chegar à sua tese final expressa no Leviatã. Com essa perspectiva o seu sistema filosófico seria: o estudo do movimento dos corpos (física) “De Copore” (1654), estudo do homem (o que podemos chamar de sua antropologia) em “De Homine” (1658), e o estudo da política (as relações entre cidadãos e soberano) em “De Cive (1642)”, o substrato destas obras citadas no “Leviatã”. Em poucas palavras: o corpo, o homem, o cidadão e conseqüentemente, o Estado, o Contrato e o Soberano. Assim, justifica Hobbes: [...] nesse ínterim, que meu país, alguns anos antes que as guerras civis se desencadeassem, já fervia com questões acerca dos direitos de dominação, e da obediência que os súditos devem, questões que são as verdadeiras precursoras de uma guerra que se aproxima [...] Assim sucede que aquilo que era último na ordem veio a lume primeiro no tempo, e isso porque vi que esta parte, fundada em seus próprios princípios suficientes conhecidos pela experiência, não precisaria das partes anteriores (HOBBES: 2002, p. 18). Hobbes tradicionalmente é enquadrado como contratualista. Ele engendrou uma teoria segundo a qual o Estado Civil, ou simplesmente Estado, originou-se do contrato firmado entre os indivíduos enquanto estes se encontravam no estado da natureza. Nesta perspectiva, Hobbes procurou analisar a essência e a natureza do Estado Civil, ao qual, em razão de seu poderio e de sua força, comparou ao monstro bíblico descrito no capítulo 41 do livro de Jó das Escrituras Judaicas. Tanto é assim que o denominou de "grande Leviatã". Na definição de Hobbes, o Leviatã seria: […] nada mais é senão um homem artificial, de maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado. No Estado, a soberania é uma alma artificial, pois dá vida e movimento a todo o corpo; os magistrados e outros funcionários judiciais ou executivos, juntas artificiais; a recompensa e o castigo (pelos quais, ligados ao trono da soberania, juntas e membros são levados a cumprir seu dever) são os nervos, que executam a mesma função no corpo natural; a riqueza e prosperidade de todos os membros individuais constituem a força; Salus Populi (a segurança do povo) é seu objetivo; os conselheiros, por meio dos quais todas as coisas necessárias lhe são sugeridas, são a memória; a justiça e as leis, razão e vontade artificiais; a concórdia é a saúde; a sedição é a doença; a guerra civil é a morte. Finalmente, os pactos e convenções pelos quais as partes deste Corpo Político foram criadas, reunidas e unificadas assemelham-se àquele Fiat, ao "Façamos o homem" proferido por Deus na Criação. (HOBBES: 2002, pp. 18,19,20). O tema da soberania está atrelado ao método hobbesiano. Afinal, a soberania era o tema estudado pelos contratualistas especialmente por Bondin. O termo surge no final do século XVI, juntamente com o Estado Moderno, sendo esse decorrente da necessidade de neutralizar um contexto de instabilidade política, econômica e social presente no final da Idade Média. Instabilidade gerada, dentre outros fatores, pela disputa constante entre o poder temporal, do rei e o poder espiritual, da Igreja, agravada ainda pela descentralização do poder entre barões, condes, duques e outros. Durante esse período, o termo soberano indicava mais uma privilegiada posição dentro de um sistema hierárquico do que propriamente a unicidade do poder político, evidenciando uma situação em que cada barão, conde ou visconde era soberano dentro de seus domínios. Vale dizer que as mudanças operadas no mundo das ciências naturais, o empirismo e o racionalismo, influenciaram fortemente a filosofia Hobbesiana. Seu método de estudo procurou acomodar não somente o empirismo inglês em voga na época, mas dos cânones da ciência materialista-mecanicista, construindo em certa medida uma antropologia para dar conta e sustentação à sua teoria política, e que isto seria o principal objetivo do conjunto de sua obra expressa no “Leviatã”. Fiel ao seu tempo e circunstâncias, Hobbes aproveitará a nova visão do pensamento para o estudo do homem e do Estado. BIBLIOGRAFIA ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1970. ADAMS, Ian & DYSON, R.W.. Cinquenta Pensadores Políticos Essenciais: da Grécia antiga aos dias atuais. Tradução: Mario Pontes. Rio de Janeiro: Editora Difel, 2006. ABRÃO, Bernadette Siqueira (org). História da Filosofia. Os Pensadores. São Paulo: Abril Nova Cultural 1999. BITTAR, Eduardo C. B. Doutrinas e Filosofias Políticas: contribuições para a História da Ciência Política. 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