domingo, 8 de outubro de 2017

A RELAÇÃO IGREJA ESTADO NO BRASIL

A RELAÇÃO IGREJA-ESTADO NO BRASIL

As relações do poder secular (Estado) e religioso (Igreja) no Brasil remontam o modelo de Estado português anterior a colonização. Haja vista, o Brasil foi colonizado por Portugal e não pode ser compreendido fora deste contexto.
A história da Igreja cristã em Portugal remonta a história da Península Hispânica antes mesmo do Imperador Constantino. Este tempo remonta À era apostólica quando o propósito da igreja nascente era de evangelizar toda a Europa. [1] A Igreja se estabeleceu e consolidou-se como instituição na Península por volta do ano 254 d.C., e logo tornou-se religião de Estado.
A Igreja Ibérica logo se fortaleceu e foi sede de um Concílio Regional denominado "Concílio de Elvira" em 300 d.C.
Por volta do ano 300 reuniu-se em Eliberis na Bética (Elvira, hoje Granada na Andalusia) o concílio que tomou o nome da cidade. As atas registram o dia do início e o nome e qualidade dos presentes; foi a 15 de maio. Esquece-se de assinalar o ano: foi entre 300 e 304, às vésperas da grande perseguição de Diocleciano comandada na Península por Taciano. Essas atas com seus 81 cânones existentes são documentos, embora incompletos, do cristianismo ibérico antes do Édito de Milão (313). (RIBEIRO, 1996, p.73).
A Igreja Ibérica se fortalece nos séculos posteriores, mesmo com a invasão dos mouros e árabes, haja vista desde cedo fora protegida pelo Império Romano. Em 451 A.D. no Concílio de Calcedônia, a Igreja Ibérica envia representantes, e estes voltam do Concílio com o propósito de evangelização das tribos germânicas, em especial os suevos. Desde então, a Igreja se consolida no século V, no patriarcado de Bracara Augusta, atual cidade de Braga. Foi nesta Cidade que se criou o primeiro arcebispado.
Mais tarde com a consolidação do Estado português, a Igreja casa com o Estado, numa espécie de simbiose quando o poder civil se confunde com o religioso. Especialmente em Portugal, existia uma espécie de governo teocrático embora não declarado. Conseqüentemente a esta prática, os grandes historiadores portugueses a chama de “casamento Igreja- Estado. Neste período, chamado pelos historiadores de “pré-cristandade”, predominava a simbiose "Igreja de Estado" ou Igreja-Estado. A Igreja não só era o Estado, mas a própria sociedade.
A igreja era a sociedade e vice-versa, de modo que pertencer à Igreja era um fato tão natural como nascer, viver e morrer, cujos momentos eram marcados pelos ritos da Igreja. Desse modo, pertencer à Igreja não significava nenhum compromisso especial, nenhuma forma de ser fora dos parâmetros sociais. (MENDONÇA, 2002, p.266).
A religião exercendo hegemonia ideológica legitimava a dominação, e a relação templo-palácio era o modelo de cristandade que infundia um status ontológico de validade, que, na opinião de Berger (1985), "o poder civil e religioso se tornam fenômenos sacramentais".
A união poder civil e poder religioso em Portugal remonta a própria formação e consolidação do Estado português no século XIII. Quando da chegada dos templários[2] que foram perseguidos e expulsos da França, e, em Portugal encontra o apoio de D. Dinis (1279-1325), muitos políticos do governo, inclusive o próprio D. Dinis aderiram à ordem que passou a chamar de Ordem de Cristo.
D. Dinis vê que a principal causa da força do clero está no ultramontanismo, palavra então desconhecida ainda para exprimir a influência e autoridades soberanas dos papas sobre as Igrejas nacionais. [...] O rei, que assim fomentava a educação e nacionalizava a Igreja. [...] É também no seu tempo que um outro acto de grande alcance [...] nacionalizar as Ordens militares. [...] Os monges militares tinham representado um papel importante no movimento da reconstituição econômica dos territórios portugueses (MARTINS, 1987, p. 93, 97). 
Mais tarde, o rei Cardeal Infante D. Henrique consolidou a ordem, sendo então seu grão-mestre. Assim, no território português a ordem ganhou mais poder e desempenhou um importante papel nos descobrimentos. Isso aconteceu porque a Ordem tinha muitos bens e conhecimentos dos mares, e, por conseguinte, transmitiu à chamada "Escola de Sagres" todo o vasto conhecimento que já dispunham sobre navegação após anos singrando o mar Mediterrâneo. Ademais, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral foram alunos e integrantes da Ordem de Cristo, antiga Ordem dos Templários. Na história da humanidade, o poder religioso e o poder civil sempre se confundiram. Religião e nação eram hábitos e a formação mental dos povos desde a antigüidade. A Roma pagã massacrou os cristãos, depois a Roma cristã dizimou os pagãos. As igrejas cismáticas orientais exigiram submissão de toda gente que lá vivia; o islamismo se impôs pela espada nas nações invadidas. A Igreja de Roma no seu alto apogeu, implementa a pena capital religiosa pela inquisição.
Na opinião de Gonzaga (1993), em sua obra "A Inquisição e seu Mundo", as leis  religiosas relativas à inquisição sobrepôs todo poder civil ou de Estado. O poder religioso e o Direito Canônico estavam acima de quaisquer leis de Estado. Entretanto, os poderes civis e religiosos estavam intrinsecamente ligados ou subservientes.
A inquisição nunca foi um tribunal meramente eclesiástico; sempre teve a participação do poder régio, pois os assuntos religiosos eram, na antigüidade e na Idade Média, assuntos de interesse do Estado. [...] Quanto mais tempo passava, mais o poder régio se ingeria no tribunal da inquisição, servindo-se da religião para fins políticos (GONZAGA, 1993, p.15).
A concepção de Estado seguia a risca o pressuposto tridentino que condenara a liberdade religiosa, os hereges e a separação da Igreja com o Estado. A Igreja Católica, com isso, pretendia que o poder temporal (civil) devia estar sujeito ao espiritual, como o corpo à alma que não aceita regime de separação. Entendia o Papa e os vaticanistas que a separação Igreja-Estado constituía engodo e, por isso, o Papa considerou aqueles que pensavam o contrário do seu “syllabus” como anátema. Ademais, havia uma preocupação do reino de Portugal e da Igreja Católica com a presença protestante aqui, bem como o liberalismo progressista das nações protestantes.
Criticando o modelo de subserviência entre Estado e religião na sua obra: "Deus e o Estado", Bakunin (1882), defende que o projeto explorador do mundo encontrou acolhida na religião, pois o projeto de colonização necessitava de legitimação de algo que estava com o povo, o que era sobreposto na mente era a religião seja ela de Estado ou não.
O Brasil como outros países açambarcados ideologicamente pelo "sacro império", o "casamento" da Igreja-Estado foi uma expressão exterior daquela estrutura profunda que se chamou de cristandade. A Igreja Católica de Portugal estendida para as suas colônias, especialmente no Brasil pretendia que o poder temporal se subordinasse ao poder religioso, ou seja, uma teocracia. Era uma pretensão não somente de Roma, mas do bispado português manter o status da religião exercendo a soberania diretamente vinculada a Roma. 
O Brasil como outros países açambarcados ideologicamente pelo "sacro império", o "casamento" da Igreja com o Estado foi uma expressão exterior daquela estrutura profunda que se chamou de "a cristandade", ou seja, equivalente civil da igreja Romana com o nome de teocracia capaz de abraçar os mais diversos organismos políticos e ideológicos. Pode se notar, entretanto, que o clero católico desempenhou funções laicas e seculares na política, na instrução escolar, no comércio e nas comunicações.
Por outro lado, em Portugal a idéia de rei era de senhor absoluto que agia em nome de Deus. Isso fora justificado mais ainda, quando o cardeal e orador sacro Jacques Benigne Bossuet (1627-1704), formulou a doutrina do absolutismo do direito divino segundo o qual o Rei era o representante de Deus responsável apenas perante Ele por seus atos de governo.
Era nesta perspectiva que trabalhava o ideário católico no Brasil desde o nascimento da colônia, pois a união Igreja e o Estado estavam no projeto de poder e colonização destas terras. Por outro lado, em Portugal a idéia de Rei era de senhor absoluto que agia em nome de Deus.
Na corte de D. Manuel (1495-1521), as relações Igreja-Estado ficaram mais ainda estreitas e a Igreja e o Estado se confundiam. D. Manuel em 1483 foi eleito grão-mestre da Ordem de Cristo que se transmitiram aos seus sucessores. Mais tarde em 1551, o papa Júlio III anexou e incorporou o grão-mestrado da Ordem de Cristo, bem como as de (São Tiago e São Bento) à coroa de Portugal. Ademais, em 1514 D. Manuel cria a Embaixada papal em Portugal, e o papa autoriza a criação do padroado.
Consegui-se o padroado pedido para a Ordem de Cristo, coisa fácil; obteve-se a coleta das terças dos rendimentos eclesiásticos; e, além disso, a Cruzada, que o núncio trouxe, e na execução da tirania dos oficiais dela. [...] As questões religiosas, acordadas na Europa tinham em Portugal um caráter particular. [...] obra em que D. Manuel trabalhou com afinco. (MARTINS, 1987, p. 236).
D. Manuel que se apoderou do poder civil e religioso, publica em 1516 as leis para o Estado e para Igreja com o nome de Ordenações Manuelinas. Numa perspectiva profundamente teocrática, publica:
Todo aquele que, por qualquer maneira disser que arrenega ou não crê ou descrê de Nosso Senhor, ou de Nossa Senhora, ou de sua fé, se for Vassalo ou de outra qualquer qualidade, que não seja peão, filho de peão, ou se for escudeiro, ou cavaleiro, que fidalgo não for, seja degredado um ano para Ceuta com um pregão em audiência, e pague dois mil reais para quem o acusar; se for fidalgo seja degredado para um de nossos lugares d'além, e pague três mil reais para quem o acusar; se for peão, filho  de peão, levem-no ao pelourinho e metem-lhe uma agulha dalbarda pela língua, e dêem-lhe vinte açoites com baraço e pregão, e enquanto lhos derem tenha a dita agulha na língua metida, e mais pague mil reais para quem o acusar. (ORDENAÇÕES MANUELINAS, 1516, Livro V, Título XXXIII).
Foi no contexto do reinado teocrático de D. Manuel, que chega ao Brasil em 22 de abril de 1500, o navegador Pedro Álvares Cabral, com um sentimento profundamente político-religioso. Ao avistar terra, especificamente um monte no litoral da Bahia, deu-lhe imediatamente o nome de Monte Pascoal, porque era o tempo da comemoração da páscoa. Em seguida, celebra-se a missa pelo frei Henrique Soares de Coimbra. Cabral participa, carregando em procissão o estandarte da Ordem de Cristo. Aliás, o início da viagem de Cabral foi uma cena ou um serviço religioso.
A viagem de Pedro Álvares Cabral, que resultou na descoberta oficial do Brasil, começou com um serviço religioso. Missa solene foi cantada na capela inacabada do mosteiro de Belém, assistida pelo rei D. Manuel, os grandes de sua Corte e por grande multidão de povo. O bispo Ortiz fez um eloqüente panegírico do almirante. Abençoou o estandarte real da armada e o chapéu que o papa Alexandre havia mandado para Cabral, em cuja cabeça o próprio rei colocou. Então o rei e o almirante caminharam à frente da procissão até o porto, conduzindo o resplandecente pavilhão real. Acima das velas dos navios tremulava a cruz da Ordem de Cristo. Era 9 de março de 1500 (HAHN, 1989, p.54).
A ideologia Igreja-Estado em sua plenitude do século XVI, predominou nas conquistas tanto de Portugal como da Espanha especificamente nas Américas. Todorov (1991), em seu clássico "A Conquista da América", descreve um texto datado de 1514 de um jurista real Palacios Rubios em que, no seu substrato, propugna não somente o reino civil como também o reino religioso. O Requerimento diz:
Com a ajuda de Deus, invadir-vos-ei poderosamente e far-vos-ei a guerra de todos os lados e de todos os modos que puder, e sujeitar-vos-ei ao jugo e à obediência da Igreja e de Suas Altezas. Capturarei a vós, vossas mulheres e filhos, e reduzir-vos-ei à escravidão. [...] disporei de vós segundo as ordens de Suas Altezas (TODOROV, 1991, p.144).
Poder secular atrelado ao religioso era a dinâmica da civilização e colonização portuguesa. A expansão do reino de Portugal seria a expansão do "reino de Deus". Essa é a tese defendida por Jan De Bie em 1970, apresentada na Universidade de Lovaina. A tese trata-se do pensamento do padre Antônio Vieira sobre a fé católica e o reino de Portugal.
O reino de Portugal foi fundado em 25 de julho de 1139, quando D. Afonso venceu os mouros em Ourique. Deus tinha dito ao rei na véspera desta vitória: "quero em ti e na tua posteridade estabelecer o meu império". [...] Daí a vocação especial de cada português, no sentido de levar o nome de Deus aos gentios, de espalhar o seu nome em terras longínquas. [...] A história de Portugal é uma verdadeira história da salvação. [..] Portugal é o "seminário" da fé a ser propagada pelo mundo inteiro. As caravelas portuguesas são de Deus. Os portugueses são anjos de Deus enviados aos gentios que o esperam. Soldados e missionários unidos na grandiosa tarefa. (HOORNAERT, 1991, p.35).      
Esta simbiose entre religião e Estado transpôs de Portugal para o Brasil, consubstanciando a posição do Estado Português de modelo evidentemente teocrático, embora não declarado. O Brasil herdou o modelo de cristandade de Portugal.
A organização da sociedade colonial luso-brasileira, a partir do século XVI, teve como principal fundamentação teórica a concepção filosófico-teológica do Estado Cristão, ou seja, da Cristandade. Segundo essa perspectiva, a monarquia lusitana era vista como um reino sagrado fundado por Deus, no qual os súditos, mediante a fidelidade à Coroa, expressavam ao mesmo tempo sua fé em Cristo. Religião e nacionalidade eram consideradas então como duas faces da mesma moeda. Foi em nome desse Estado Cristão que os lusitanos impuseram a sujeição aos indígenas e o cativeiro aos negros, ao mesmo tempo em que consolidava o domínio territorial mediante a expulsão dos franceses e dos holandeses. Nessas diversas atuações e intervenções de natureza política e econômica, estiveram sempre presentes as motivações religiosas. [...] Um dos principais pilares da organização política da sociedade colonial tinha sido o conceito sagrado de autoridade. [...] Este poder divino, por sua vez, era legitimado pelo ritual da sagração dos reis. Assim sendo, os príncipes assumiam um papel de pais e protetores dos súditos, dos quais se exigia fidelidade e obediência. Pertencentes à nobreza, eram considerados de uma linhagem especial (Azzi, 1991, p.5).
Ademais, o governo português criou em 1532 a Mesa da Consciência e Ordens, funcionando como um departamento religioso do Estado com extensão às colônias, a qual era responsável pelo padroado real. Depois de alguns anos de sua implantação, esta Instituição passou a ser comandada pelos jesuítas que aqui estabeleceram.
Os jesuítas exerceram no Brasil o monopólio não somente religioso, bem como o político-ideológico. Eles chegaram ao Brasil em grande quantidade em 1549 em companhia do primeiro governador geral, Tomé de Souza.
Os jesuítas começaram a planejar seu domínio em Portugal desde a sua entrada em 1540. Não descansaram em seus intentos até encontrar ocasião para desenvolver o seu sinistro plano. Este começou a se tornar exeqüível no final do século XVI, quando o poder passou às mãos de mulheres, de velhos decrépitos, de jovens inexperientes ou de estrangeiros. A manutenção da filosofia arábico-aristotélica era apresentada como uma das armas jesuíticas para manter-se no poder, negando à cultura portuguesa o acesso á ciência moderna. Daí a apologia de Vreney e da obra Verdadeiro método de ensinar feita pela Dedução. (AZZI, 1991, p.56).
Gilberto Freire (1980), com toda propriedade, aponta as características da colonização do Brasil por intermédio da religião feita pelos jesuítas. Sua opinião é a de que eles idealizaram e implementaram no País um modelo de teocracia.
A nossa verdadeira formação social se processa de 1532 em diante, [...] O oligarquismo ou nepotismo, que aqui madrugou, chocando-se ainda em meados do século XVI com o clericalismo dos padres da Companhia. Em oposição aos interesses da sociedade colonial, queriam os padres fundar no Brasil uma santa república de "índios domesticados para Jesus" como os do Paraguai; seráficos caboclos que só obedecessem aos ministros do Senhor e só trabalhassem nas suas hortas e roçados (FREIRE, 1980, p.60).
Ademais, os jesuítas conquistaram autêntico monopólio do ensino em Portugal, e subordinaram-se à Companhia. Além de uma Igreja monopolizada, tinha um sistema pedagógico monopolizado.
Uma Igreja monopolizava o sistema religioso e, sob a liderança jesuítica. [...] Os jesuítas controlavam o sistema pedagógico e submetiam a elite intelectual portuguesa à forma bastante estreita da Ratio Studiorum: O controle estendia-se até à obra dos Santos Padres, cuja consulta estava sujeita à deliberação especial do Reitor. [...] No sistema religioso, a hegemonia jesuítica era disputada pelo sistema político, a cujo regalismo a concessão do padroado, com o grão-mestrado das Ordens Militares, e o beneplácito, havia entregado boa parte da administração da Igreja (RIBEIRO, 1973, p. 24-25).
O clericalismo dos padres da Companhia foi colidindo com as oligarquias regionais, consolidando uma colonização que, na perspectiva de Freire, foi "semi-eclesiástica" e "semifeudal". Essa interpretação de Freire faz coro com os pronunciamentos e reflexões do intelectual da época do início da República, Sílvio Romero (1851-1914), que em seus artigos publicados no Jornal "Diário de Notícias" é da opinião que: "[...] nossa nação foi formada sob o regime teocrático, ajudado pelos jesuítas." Uma outra opinião semelhante a de Freire e de Romero é  a do sacerdote romanista Júlio Maria, que diz:
[...] as missões jesuíticas eram complicadas pelo plano que os discípulos de Loiola[1] tinham que dominar o mundo não só com as armas espirituais, mas também com os instrumentos mundanos. [...] queriam criar Estados ou nações jesuíticas. [...] Nóbrega e Anchieta, e os fundadores das missões ou reduções do Brasil, cooperaram com os capitães nas guerras contra os indígenas. (MARIA, 1950, p. 33-34)
Os jesuítas tendo à frente suas luminares como Nóbrega e Anchieta, não só domesticavam os índios, mas promoveram a conversão forçada deles. Na opinião de Serafim Leite (1950), os jesuítas maquinavam instalar no planalto Piratininga o quartel general da companhia, ampliando desta forma os limites do fabuloso império jesuíta. Em carta enviada pelo jesuíta, soldado e viajante Antônio Rodrigues a Coimbra diz:
De S. Vicente, do último de maio de 1553. Pax Christi. - Ainda que até agora, com muitos perigos, andei navegando por este mar do sul, onde há tantas tormentas, que poucos navios escapam, contudo confesso: Caríssimos Irmãos, até agora ter navegado por outro mar mais perigoso, que é o deste mundo e suas vaidades, onde tantos se perdem, do qual Nosso Senhor me livrou por meio do Padre Manuel da Nóbrega, recebendo-me na Santa Companhia de Jesus, trazendo-me já Nosso Senhor movido para entrar nela vendo quanto tempo e com quantos perigos tinha sido soldado no mundo, com tão pouco proveito, e que entrando nela entrava em melhor batalha, que é das almas, e com tão grande prêmio, que é a remuneração eterna. [...] Eu falei com o P. Manuel da Nóbrega que fosse ou mandasse lá um da nossa Companhia, porque ali perto há outros gentios que não comem carne humana, gente mais piedosa e aparelhada para receber a nossa santa fé. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, Arquivo consultado em dezembro de 2006).
Um relato documental falando do jesuitismo e um tanto antagônico aos relatos de Gilberto Freire e Antônio Rodrigues, embora com a mesmo colorário da dinâmica jesuítica, é "O Tratado da Terra do Brasil" escrito em (1562) por Pêro de Magalhães que, em Carta enviada ao rei de Portugal (cardeal D. Henrique), falando das Capitanias, destacando o trabalho dos jesuítas em quase todas elas, menciona-os com destaques positivos.
Ao mui alto e Sereníssimo Príncipe dom Henrique, Cardeal, Infante de Portugal. Posto que os dias passados apresentei outro summário da terra do Brasil a el-Rei nosso Senhor, foi por cumprir primeiro com esta obrigação de Vassallo que todos devemos a nosso Rei. [...] A principal povoação se chama Santos, onde está hum mosteiro de padres da Companhia de Jesus. A outra mais avante ao longo do Rio huma legoa he Sam Vicente; também ha nella outro mosteiro de padres da Companhia. Pela terra dentro dez légoas edificaram os mesmos padres huma povoação entre os índios que se chama - o Campo, na qual vivem muitos moradores, a maior parte delles são mamalucos filhos de portuguezes e de índias da terra. Aqui e nas mais Capitanias têm feito estes padres da Companhia grande fruito e fazem com que a terra va em muito crescimento e trabalho, por fazer Christãos a muitos índios e metem muitas pazes entre os homens; também fazem restituir as liberdades de muitos índios que alguns moradores da terra têm mal resgatados: assi que sempre acodem aos que se desviarão do serviço de Deos e de S. A.. (, Tratado da Terra do Brasil, 1980, p.13).
Em 25 de fevereiro de 1551, o papa Júlio III emite a bula "Super specula militantis ecclesiae", em resposta ao pedido do rei D. João III para a criação do primeiro bispado no Brasil. Esta bula também consubstanciou a concessão de direito de padroado[2] aos reis de Portugal e que também foi extensivo às suas colônias. A Bula diz:
[...] do mesmo modo reservamos e concedemos o direito de padroado e de apresentação a nós e ao Pontífice Romano que então existir, a de uma pessoa idônea para dita Igreja de São Salvador. [...] e declaramos que o direito de padroado e de apresentação existe como todo o vigor, essência e eficácia em virtude de verdadeira e total doação, e não poderá ele ser derrogado nem mesmo pela Santa Sé, sem primeiro intervir o consentimento expresso de João, Rei e Gão-Mestre. (AZZI, 1994, p.165).
Os direitos de padroado eram extensivos. Tanto os monarcas como os cardeais ou superiores de Ordens Eclesiásticas passaram a exercer ao mesmo tempo poder civil e poder religioso. Por concessão da Santa Sé, o título de Grão-Mestre conferia aos reis de Portugal também o regime espiritual.
A partir da criação do bispado com sede em Salvador, desenvolve-se a administração eclesiástica do Brasil. Em 1707, promulga as "Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia"[3], o agente principal de execução da Lei civil será o clero secular. A partir das Constituições do Arcebispado, perde a validade as Ordenações Filipinas, as quais eram de iniciativa do Rei, e agora os bispos implantam uma lei católica, a qual vai reger a vida cotidiana. Toda essa organização eclesiástica deste período sobrepôs o regime de padroado. Neste caso o rei apenas ficou subserviente da religião. Na prática, principalmente nas colônias, os bispos exerciam hegemonia. Quanto a outras religiões e judeus, diz as Constituições do Arcebispado da Bahia:
Para que o crime de heresia e judaísmo se extingue, e seja maior a glória de Deus nosso Senhor, e aumento de nossa Santa Fé Católica, e para que mais facilmente possa ser punido pelo Tribunal do Santo Ofício o delinqüente, conforme os Breves Apostólicos concedidos à instância dos nossos. Sereníssimos Reis: a este sagrado Tribunal, ordenamos e mandamos a todos os nossos súditos, que tendo notícia de alguma pessoa ser herege, apóstata de nossa Santa Fé, ou judeu, ou seguir doutrina contrária àquela que ensina e professa a Santa Madre Igreja Romana, a denunciem logo ao Tribunal do Santo Ofício no termo de seus Editais, ainda sendo a culpa secreta, como for interior. (Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro V, Título I, 886, ano de 1707).
Ademais, o regime do padroado atrelou as atividades religiosas ao poder real, transformando a Igreja Católica em instrumento legal de administração e controle. A transferência do padroado português para os monarcas brasileiros, procedentes da mesma dinastia, permitira o controle de negócios da Igreja em todos os sentidos.
O clero açambarcou o poder secular como extensão do império católico. Nesta perspectiva escreve Souza e Silva:
Ah! e como viviam os povos avexados por quantos impostos imaginavam o clero, a magistratura e o fisco! O colono trabalhava como de parceria para essas três harpias esfaimadas, que só se nutriam de ouro, e que cada vez se mostravam mais insaciáveis; envelhecia antecipadamente nos rudes trabalhos da mineração, enquanto que os padres e os seus empregados eclesiásticos, enquanto os ministros e os que viviam da justiça pública, enquanto os contratadores do fisco e seus apaziguados se deleitavam com as suas propinas e viam seus dias se deslizar pacificamente como se estivessem num éden dourado, verdadeiro paraíso das riquezas. Entendia o clero que a primeira caridade cristã era tornar as igrejas em mais rendosos mercados deste mundo, embora o fosse à custa de repetidas violências e vexações. Não eram os preceitos da lei que professavam, nem o ensino das máximas do Evangelho, tão necessárias à educações religiosa dos povos, que eles faziam pagar a peso de ouro; — eram insuportáveis e forçadas contribuições extorquidas pelos párocos aos seus fregueses debaixo de pretextos de direitos paroquiais, benesses e pés de altar; eram as grandes e consideráveis taxas por conta de espórtulas, emolumentos, prós e percalços exigidos pela câmara e chancelaria episcopal e pelo juízo eclesiástico em beneficio da mitra e dos juízes e oficiais de tais repartições. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, org. Joaquim Norberto de Souza e Silva, 1860, p.20).
O padroado foi o meio do qual o rei, agindo como governador da Ordem de Cristo, controla as nomeações dos cargos eclesiásticos e encarrega-se da subvenção financeira de todas as atividades eclesiásticas, bem como as nomeações.
A religião fundia-se com o poder político, garantindo sua legitimidade, e conseqüentemente seu status hegemônico como religião estatal.
A Sé Romana não só tomou sobre si os julgamentos e decretos sobre a vida social ou cotidiana, como também reivindicou e conseguiu a subordinação do poder temporal ao poder espiritual (papal).  
Para bem compreender a concepção teocrática de governo, é sempre salutar lembrar que em toda Idade Média e até o fim do século XIX, este modelo fora defendido pela Igreja Romana, da mesma forma que é defendido ainda hoje, na maior parte do mundo, por nações que naturalmente encorajam diversas formas de despotismo por meio da religião.
A Igreja Católica de Portugal estendida para as suas colônias, especialmente no Brasil pretendia que o poder temporal se subordinasse ao poder religioso, ou seja, uma teocracia. Era uma pretensão
não somente de Roma, mas do bispado português manter o status da religião exercendo a soberania diretamente vinculada a Roma. 
O Brasil como outros países açambarcados ideologicamente pelo "sacro império", o "casamento" da Igreja com o Estado foi uma expressão exterior daquela estrutura profunda que se chamou de "a cristandade", ou seja, equivalente civil da Igreja Romana com o nome de teocracia capaz de abraçar os mais diversos organismos políticos e ideológicos. Pode se notar, entretanto, que o clero católico desempenhou funções laicas e seculares na política, na instrução escolar, no comércio e nas comunicações.
Por outro lado, em Portugal a idéia de rei era de senhor absoluto que agia em nome de Deus. Isso fora justificado mais ainda, quando o cardeal e orador sacro Jacques Benigne Bossuet (1627-1704), formulou a doutrina do absolutismo do direito divino segundo o qual o Rei era o representante de Deus responsável apenas perante Ele por seus atos de governo.
Era nesta perspectiva que trabalhava o ideário católico no Brasil desde o nascimento da colônia, pois a união Igreja e o Estado estavam no projeto de poder e colonização destas terras. Por outro lado, em Portugal a idéia de Rei era de senhor absoluto que agia em nome de Deus. Seria aquilo que ficou conhecido como Teocracia. Nesta perspectiva, o "casamento" da Igreja com o Estado foi uma expressão exterior daquela superestrutura profunda que se chamou de cristandade, que aqui nominaliza-se como teocracia.              
A Igreja durante toda a idade média, ou seja, desde o ápice do Império Romano, assegurou seu poder temporal junto com o poder religioso ou espiritual, a tal ponto que o papa foi considerado o chefe supremo da cristandade, ou seja, "Império Católico do Ocidente". Nesta perspectiva só poderia pensar e escrever aquilo que a igreja autorizava, tudo o que alguém escrevia deveria passar sob os crivos da igreja. O papado imbuído da "plenitudo potestatis"[1], desenvolveu-se ao longo da história, a supremacia sobre os reis e príncipes, chegando ao seu apogeu no pontificado de Inocêncio III (1198-1216), quando defendeu que o poder temporal (civil) deva estar sujeito ao espiritual (Igreja), como o corpo à alma que não aceita regime de separação.
Para bem compreender a concepção teocrática de governo, sempre notar que em toda Idade Média e até o fim do século XIX, este modelo fora defendido pela Igreja Romana, da mesma foram que é defendido ainda hoje, na maior parte do mundo, por religiões que naturalmente encorajam diversas formas de despotismo por meio da religião.
Pode se dizer que nesta visão medieval de autoridade, o poder civil só adquiria legitimidade em virtude da delegação que ele recebia do poder religioso (Igreja). A única autoridade suprema reconhecida era a que provinha de Deus por meio do poder religioso do papa. Neste sentido, a Igreja pelo papa, achava-se autorizada a delegar o poder político. Essa concepção teocrática defendia o substrato de autoridade político-religiosa de direito divino. Tal doutrina ou concepção atribuía ao soberano Pontífice a origem do duplo poder político e religioso. Isso fora definido plenamente pelo papa Gregório VII (1025-1085). Tal concepção ou tese de "poder" foi constantemente reformulada pelos soberanos Pontífices no decurso dos tempos até o século XX.
Para bem compreender a estrutura do regime teocrático é necessário entender a conceituação e a semântica do que é teocracia.
A palavra Θεοκρατία (Teocracia) originou da junção de dois vocábulos gregos. O primeiro Θεός ou Θεοστυγής que na tradução para o português é Deus ou divindade. Os termos geralmente foram usados no mundo antigo para seres que têm poder ou conferem benefícios que estão além da capacidade humana. Em traduções para o latim como para outras línguas, especificamente o termo Θεός com maiúscula refere-se a uma divindade específica ou maior divindade. O segundo termo é κρατία que vem da raiz κράτος que se refere sempre a poder, força, majestade ou ato poderoso. A palavra é usada no grego clássico como governo. Portanto pode-se concluir que teocracia significa "governo de Deus". A teocracia representava genericamente o governo de certas pessoas tidas como divinas ou que estavam a serviço dos deuses. Estas pessoas se destacavam por seu valor místico ou mítico, nobreza de berço por ser considerado filho de um deus ou um rei deus ou de atos de bravura quando se ganhava uma guerra, segundo a mitologia pela ajuda dos deuses.
Os brâmanes da Índia e da China, os babilônicos, os sumérios, antigas civilizações, constituíram seus governos com pressupostos teocráticos. Para essas antigas civilizações, os governos eram constituídos por mandados dos deuses.
Bobbio (2004) designa teocracia não somente como um termo de valor semântico, mas como uma acepção político-teocrática. Nesta perspectiva, diz:
Designa-se um ordenamento político pelo qual o poder é exercido em nome de uma autoridade divina por homens que se declaram seus representantes na terra, quando não uma sua encarnação. Bem característica do sistema teocrático é a posição preeminente reconhecida à hierarquia sacerdotal, que direta ou indiretamente controla toda a vida social em seus aspectos sacros e profanos. A subordinação das atividades e dos interesses temporais aos espirituais, justificada pela necessidade de assegurar antes de qualquer outra coisa a salus animarum dos fieis, determina a subordinação do laicado ao clero. [...] Pelo que tange à civilização ocidental, a tentativa mais séria de dar vida a um modelo político-teocrático deu-se entre o final do século XI e o início do século XIV, por obra do papado. (BOBBIO, 2004, p.1237).  
No modelo teocrático, o Estado está a serviço da Igreja, assim como a Igreja está a serviço do Estado. Entretanto, há uma superioridade da lei eclesiástica sobre a civil.
De fato, uma vez aceita a premissa de que o poder espiritual é superior a todo poder terreno em dignidade e nobreza, segue-se a coseqüência de que quando o poder terreno erra, será julgado pelo espiritual (Unam sanctam): daqui o direito do pontífice depor os soberanos e de liberar seus súditos do vínculo de obediência (é universalmente conhecido o episódio de Herique IV deposto do trono por Gregório VII e obrigado a dirigir-se a Canossa para obter o perdão do papa). Da mesma forma, a afirmação da superioridade da lei eclesiástica sobre a civil é coerente com os princípios expostos acima, sendo que a segunda é considerada sem valor todas as vezes em que entra em choque com o direito canônico. Finalmente, o Estado é obrigado a colocar suas forças a serviço da Igreja, tanto para combater seus inimigos externos (é neste contexto que se inscrevem as cruzadas sugeridas pelos pontífices contra os infiéis), como para assegurar no seu seio a ortodoxia, reprimindo todo episódio de heresia e de dissenso religioso. (BOBBIO, 2004, p.1238).
Na perspectiva teocrática, o Estado subserviente da Igreja, e a Igreja do Estado, ambos passam a ter um domínio radicalmente totalitário, pois se limita a destruir as capacidades políticas e a liberdade do homem, isolando-o e privando de sua individualidade e liberdade de pensar.
No Estado teocrático, o principal instrumento institucional é a da ditadura, capaz de superintender as questões não somente de governo, mas da vida privada em todos os seus aspectos. Nesta perspectiva, o Estado subserviente  da Igreja, torna-se um Estado absoluto e totalitário a serviço de uma ideologia profundamente religiosa. Em certo sentido, no modelo de cristandade que perpetuou na Idade Média e especialmente no Brasil em sua colonização por quase 400 anos, o substrato do poder foi essencialmente religioso ou teocrático. Esta exagerada dinâmica da política e governo teocrático realizou-se sob o domínio de verdadeira pretensão política religiosa.
[...]........

[1]enitudo Potestatis: significa que o papado tinha todo o poder tanto temporal como espiritual. 


[1]Inácio de Loiola, fundador da Companhia de Jesus, denominada e conhecida como  "os Jesuítas"
[2]O Padroado conseguiu controlar a Igreja no Brasil. Os custos da Igreja eram pagos pela fazenda real, que controlava a Igreja, que de certa forma não estava diretamente subordinada ao papa e sim ao rei.
[3]O Arcebispado da Bahia, primeiro do Brasil, foi criado pelo papa...

[1] O Apóstolo Paulo traça o plano de viajar para Espanha, pois a península Ibérica (Portugal e Espanha) era alvo da evangelização apostólica e da plantação de igrejas. (Rm 15.24).
[2]Os templários foi uma Ordem Católica militar religiosa fundada durante as cruzadas em Jerusalém em 1118 e que foi reconhecida pela Igreja no Concílio de Troyes. Atrelava o poder civil ao religioso, inclusive com o uso de armas e guerra.


O BRASIL É UM ESTADO LAICO?

O BRASIL É UM ESTADO LAICO?

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Brasil desde 1891 com o advento da República e conseqüentemente a  Constituição Republicana, deixou de ser um Estado Confessional. Antes e por quase quatro séculos oficialmente a Igreja Católica Romana era ligada em todos os sentidos ao Estado.  A isso era chamado o Estão brasileiro de Estado Confessional.
Com o advento da republica deixou de ser confessional passando a ser um Estado laico. Sendo assim, os poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, em todos os seus níveis, estão constitucionalmente, proibidos de professar, influenciar, ser influenciado, favorecer, prejudicar, financiar, qualquer vertente religiosa, sendo este, entre outros, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. A base para isso no regime jurídico atual está estão nos artigos 5o, Inciso: VI, e, 19, inciso I, da Carta Magna de 1988.

Desta forma, independente da quantidade de fiéis, tempo de existência, ou do patrimônio que uma religião possua todas as manifestações de religiosidade ou credos, seja evangélico, católico, espírita, judaico, oriental, muçulmano etc, bem como, os ateus, humanistas e agnósticos etc, nas questões de fé gozam de igual proteção do Estado Laico.
1.1 O Conceito de Laicismo e Laico
A palavra e o conceito surgiram semanticamente[1] oficializados pela primeira vez na França com a expressão: laïcité - pronuncia-se [la.isite], em nosso vernáculo Laicismo.
Antes do conceito francês ou latino, os gregos já usavam, mas com um significado denotativo para se referir ao povo, ou, pessoas da peble comum. Etimologicamente, laïcité no latim, é um substantivo formado pela adição do sufixo -ite (português: dade, latim itas) ao adjetivo em latim lāicus, que originalmente pela junção vocabular grega da palavra λᾱϊκός (Laikos "do povo", "leigo") e do adjetivo também grego  λᾱός (laos "povo"), semanticamente se consolidou o sentido não somente denotativo da palavra como também conotativo para se referir àqueles que não seriam ligados a serviços religiosos[2].
            A palavra que em certa medida seria a forma de classe gramatical adjetivada, passou a significar “uma atitude crítica e separadora da interferência da religião organizada na vida pública das sociedades contemporâneas”.
  Laicismo ou laico[3], portanto é um conceito que denota a ausência de envolvimento religioso em assuntos governamentais, bem como ausência de envolvimento do governo nos assuntos religiosos, ou dos assuntos religiosos nos negócios da Igreja[4]. 
A construção moderna deste conceito embora vindo da revolução francesa a qual pregava o secularismo[5] de governo, vinha de uma longa história, mas apareceu na legislação francesa de 1905 sobre a separação das Igrejas e do Estado.
[...] em termos gerais, a tese da secularização mantém-se, de fato, firme. Alguns regimes políticos estão abertamente associados a ideologias secularistas e anti-religiosas, enquanto outros estão oficialmente desvinculados da religião, praticando o secularismo mais por defeito do que por afirmação ativa. No entanto, poucos são os Estados formalmente ligados à religião e, se o estão, trata-se de uma ligação frágil que é levada muito a sério. A observância e a prática religiosa são reduzidas e os seus eventuais níveis elevados ficam a dever-se, com freqüência, ao cariz eminentemente social e não transcendente dos conteúdos religiosos. A doutrina formal é, por isso, ignorada, sendo a participação encarada como uma celebração da comunidade e não como convicção. Os assuntos religiosos raramente merecem destaque (GELLNER, 1994, p. 16).
Durante o século XX, o conceito evoluiu para significar igualdade de tratamento entre todas as religiões, embora uma interpretação mais restritiva do termo tem sido desenvolvida desde 2004.
Vale aqui as interpretações de Bobbio quando separa a significação dos termos laicismo de laicidade. O primeiro para se referir a um sistema político e o segundo para se referir sempre ao sentido de leigo ou povo.
Na sua aceitação estrita e oficial, é o princípio da separação entre a religião e o Estado.[6] 
Politicamente podem-se dividir os países em duas categorias, primeiro os laicos e segundo os não laicos. Os primeiros politicamente laicos a religião não interfere diretamente na política, como é o caso dos países ocidentais em geral. Os segundos, Países não-laicos são interferem e ditam as leis civis. Neste sentido são considerados como Países teocráticos e a religião tem papel ativo na política e até mesmo constituição, como é o caso do Irã, Arábia Saudita e do Vaticano, entre outros.
Bobbio, (2004), dedica pelo menos 20 paginas de seu Dicionário de política com esta temática. Num primeiro momento define a concepção moderna de Estado Leigo nestes termos:
A teoria do Estado leigo fundamenta-se numa concepção secular e não sagrada do poder político, encarado como atividade autônoma no que diz respeito às confissões religiosas. Estas confissões, todavia, colocadas no mesmo plano e com igual liberdade, podem exercer influência política, na proporção direta de seu peso social. O Estado leigo, quando corretamente percebido, não professa, pois, uma ideologia "laicista", se com isto entendemos uma ideologia irreligiosa ou anti-religiosa. (BOBBIO: 2004, p.670).

Bobbio compreende a construção do conceito de forma histórica passando pelos conceitos de clericalismo ou confessionalismo como também de  cesarpapismo. Para ele estes conceitos antagônicos ao laicismo historicamente foram consolidados em todo período da Idade Média como extensivos ao poder Papal casado com o poder dos imperadores.

Assim como, historicamente, o termo leigo tem a significação de não-clérigo, Laicismo significa o contrário de CLERICALISMO (V.) e, mais amplamente, de CONFESSIONALISMO (V.). Uma vez, porém, que o anticlericalismo não coincide necessariamente com a irreligiosidade, assim, também, o termo leigo não é sinônimo de incrédulo; da mesma forma, não podem ser definidas, propriamente, como leigas as correntes de radicalismo irreligioso que conduzem ao ateísmo de Estado. A relação entre temporal e espiritual, entre norma e fé, não é relação de contraposição, e sim deautonomia recíproca entre dois momentos distintos do pensamento e dá atividade humana. Igualmente, a separação entre Estado e Igreja não implica, necessariamente, um confronto entre os dois poderes. Na medida em que garante, a todas as confissões, liberdade de religião e de culto, sem implantar em relação às mesmas nem estruturas de privilégios nem estruturas de controle, o Estado leigo não apenas salvaguarda a autonomia do poder civil de toda forma de controle exercido pelo poder religioso, mas, ao mesmo tempo, defende a autonomia das Igrejas em suas relações com o poder temporal, que não tem o direito de impor aos cidadãos profissão alguma de ortodoxia confessional. A reivindicação da laicidade do Estado não interessa, apenas, às correntes laicistas, mas, também, às confissões religiosas minoritárias que encontram, no Estado leigo, as garantias para o exercício da liberdade religiosa. (IBID: p.670).
Daí se tem em Bobbio que Estado laico significa um país ou nação com uma posição neutra no campo religioso.
Também conhecido como Estado secular, o Estado laico tem como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião.
O Laicismo rejeita os sistemas onde o Estado subjuga a Igreja ou a reduz a religião e privilegia seus fiéis em um ramo de sua própria estrutura administrativa. Enfim, visto que não defende somente a separação política e jurídica entre Estado e Igreja, mas também os direitos individuais de liberdade em relação a ambos, o Laicismo se revela incompatível com todo e qualquer regime que pretenda impor aos cidadãos, não apenas uma religião de Estado, mas também uma irreligião de Estado. (BOBBIO: 2004, pp.670, 671).
Mas isso não significa que o Estado não garanta a liberdade religiosa de seus cidadãos. Ao contrario o Estado embora sendo laico ele não somente garante a liberdade religiosa como também protege o direito religioso[1] desde que esses não firam princípios que ele mesmo assegura. Ademais, Um Estado laico defende a liberdade religiosa a todos os seus cidadãos e não permite através de suas leis a interferência de correntes religiosas em matérias sociopolíticas e culturais.
Nos países que não são laicos (teocráticos), a religião exerce o seu controle não apenas social mas político na definição das ações institucionais, na legislação civil e penal bem como nas ações de caráter governativo. Nos países teocráticos, o sistema de governo está sujeito a uma religião oficial. Alguns exemplos de nações teocráticas são: Vaticano (Igreja Católica), Irã (República Islâmica) e Israel (Estado Judeu).
Em 2004, Bobbio deu uma interpretação renovada e mais restritiva do termo a qual  tem sido desenvolvida no seu dicionário político e traduzida ordinariamente como  como  laicidade sendo portanto segundo ele, “um sistema político, diferenciando significando que laicismo é o mesmo que secularidade num sentido mais restrito.
Ainda mais abrangente é a definição do Laicismo formulada por Nicola Abbagnano, que interpreta o Laicismo como sendo autonomia recíproca, não apenas entre o pensamento político e o pensamento religioso, mas entre todas as atividades humanas. As diferentes atividades não devem ser subordinadas umas às outras num relacionamento de dependência hierárquica, nem podem ser submetidas a finalidades ou interesses que não lhes são inerentes. As atividades humanas devem se desenvolver de acordo com suas próprias finalidades e regras internas. Na acepção de Abbagnano, o Laicismo corresponde, nas relações existentes entre as atividades humanas, à liberdade que deve existir nas relações entre os indivíduos. (BOBBIO: 2004 p.672).
            Assim, depois de definir o termo, faz-se necessário discorrer sobre a fundamentação teórica dele.



1.2 Fundamentação teórica

Na fundamentação teórica sobre o Estado laico de Bobbio, (2004), é bem parecida dos clássicos do século XVIII. Ele trabalha com a perspectiva das “duas espadas”[2].
Encontramos já no cristianismo dos primeiros séculos a distinção ntre autoridade espiritual e poder tem poral, isto em contraposição à unificação pagã das funções sacerdotais na pessoa do magistrado civil. A inviolabilidade recíproca das duas jurisdições, decorrente de assertivas encontradas nos textos sagrados, é reconhecida, como válida, na Patrística e plasticamente manifestada, no findar do século V, pelo pontífice Gelásio I, através da imagem das "duas espadas" que uma só mão não pode empunhar. Apresentada, nas suas origens, com a finalidade de subtrair os eclesiásticos à jurisdição dos tribunais civis, a teoria das "duas espadas" constituiuse o ponto de referência em todas as controvérsias medievais entre o papado e o império (séculos XI e XII) e entre o papado e o reino de França (final do século XIII e início do século XIV). A distinção que se fazia entre as duas autoridades era bem diferente da moderna concepção de Igreja e Estado. O pensamento medieval considerava ambas aspectos diversos de uma sociedade cristã universal, súdita, ao mesmo tempo, de duas autoridades que dependiam diretamente de Deus. (IBID: p.673).

Esta corrente surge a partir dos abusos que foram cometidos pela intromissão de correntes religiosas na política das nações e nas Universidades pós-medievais.
A concepção de laicidade sofreu forte oposição das elites ou da burguesia principalmente na Itália e na Espanha. No entanto essas oposições sem fundamento racional ou crítico fez a teoria laicista tornar-se realidade e adquiri mais força nos países de maioria católica.
Do lado oposto, a cultura leiga contemporânea contrapõe aos dogmatismos a liberdade de religião e a liberdade de crítica às religiões, visto que as heresias de hoje podem se tornar as ortodoxias de amanhã. Pressupõe-se, pois, que nenhuma certeza é indiscutível e que as únicas certezas racionais são as que surgem como produto da própria discussão. A definição sintética desta acepção do Laicismo foi formulada por Guido Calogero, para quem o Laicismo não é uma particular filosofia ou ideologia política, mas método de convivência de todas as filosofias e ideologias possíveis. O princípio leigo consistiria, assim, nesta regra básica: "não ter a pretensão de possuir a verdade mais do que qualquer outro possa ter a pretensão de possuí-la". (BOBBIO: 2004, p. 672).
Mais tarde, MAX Weber discutindo teoricamente o tema afirma aifrma que a oposição ao laicismo seria uma forma de tornar Deus enclausurado à Igreja e aos palácios, tornando assim o referencial de Deus como tipo ideal para manter a peble debaixo dos interesses da manutenção do poder. Daí porque os racionalistas do século XVII e XIX trabalharam ansiosos para deixar de lado a forte influência religiosa percebida em toda idade média, buscando cada vez mais o fortalecimento de um Estado laico.
O sistema laicista está imbuído de muitos valores. Os valores primaciais do dele[3] são: a liberdade de consciência, a liberdade de expressão, a liberdade de credo e a igualdade entre os cidadãos em matéria religiosa e de opinião. Daí se tem estes princípios como direitos inalienáveis do ser humano os quais são democraticamente estabelecidos nas leis do Estado[4].
Buscando construir racionalmente o conceito, deve-se levar em conta o secularismo o qual está em conexão com o laicismo. Em certo sentido, o secularismo pode afirmar o direito de ser livre do jugo e ensinamento religioso, bem como o direito à liberdade da imposição governamental de uma religião sobre o povo dentro de um Estado que é neutro em matéria de crença. Em outro sentido, refere-se à visão de que as atividades humanas e as decisões, especialmente as políticas, deve ser imparciais em relação à influência religiosa.
Na sociedade de hoje, o sentido de Laicismo aproxima-se, sob múltiplos aspectos, ao processo de secularização (V.), se tomarmos este termo não na sua significação originária, específica do direito canônico (onde o termo secularização difere do termo laicização por significar a volta ao mundo secular, sem uma renúncia total ao estado religioso), mas na significação derivada que se espalhou pela Europa, ao redor de 1880, e que já havia aparecido, algumas décadas antes, nos escritos de Victor Cousin, em expressões tais como "sécularisation de l'État" e "enseignement séculier de la philosophie". Na literatura sociológica, o termo "secularização" é usado normalmente para caracterizar o processo de transição das sociedades patriarcais, rurais e "fechadas", para a sociedade industrializada, urbana e profana, onde assistimos a uma redução constante do peso social da religião organizada, que está perdendo, cada vez mais, a função de controle social. A progressiva "dessacralização" da sociedade moderna descrita por Max Weber (Economia e Società, ed. it., 1961) traz a solução automática a alguns aspectos históricos do Laicismo; porém, ao mesmo tempo, justamente nas sociedades mais secularizadas, como se fosse para compensar os valores sociais perdidos, surgem ideologias totalitárias que se caracterizam como novos atentados à concepção propriamente leiga da política e da cultura. (BOBBIO: 2004, p.673).

O secularismo o qual é próximo da concepção moderna de Estado laico desenha suas raízes intelectuais em filósofos gregos e romanos, como Marco Aurélio e Epicuro. Também como os muçulmanos, como Averróis, iluministas como Denis Diderot, Voltairie, Espinosa, Rousseau, John Locke etc.
Os propósitos e argumentos em apoio ao secularismo variam amplamente. No laicismo europeu, tem-se argumentado que o secularismo é um movimento em direção a modernização, longe de valores religiosos tradicionais (também conhecido como secularização). Este tipo de secularismo, a nível social ou filosófico, tem freqüentemente ocorrido, mantendo uma Igreja oficial do Estado ou apoiando oficialmente uma religião. Nos Estados Unidos, alguns argumentam que o Estado secular tem servido, em uma maior medida, para proteger a religião da interferência governamental, enquanto o secularismo em um nível social é menos prevalente. Dentro dos países, bem como diferentes movimentos políticos, apoiam o secularismo por razões variadas.[5]
            Em conclusão, o Estado Laico tem que se assumir neutro ou eqüidistante das diversas opções social e cultural dos indivíduos no tocante à religião a qual revela crença ou convicção.

[...].....

















[1] Direito religioso aqui não se refere ao Direito Canônico, conhecido também como direito ou leis da Igreja Católica Apostólica Romana.
[2] A teoria das duas espadas surgiu na Idade Médiacom ..
[3] O aparato crítico foi extraído do site:  em 18/12/2013 e  pode ser consultado via Bobio em: AUT. VÁR., La laicité, P. U. F., Paris1960; G. CALOGERO. Filosofia del dialogo, Edizioni di Comunità, Milano 1962; A. C. JEMOLO. Chiesa e Stato in Italia dall'unificazione a Giovanni XXIII, Einaudi,Torino 1965; H. LUBBE, La secolarizzazione (1965). Ver também: http://www.laicidade.org/topicos/archives/.
[4] No último capítulo discorreremos sobre estas temáticas.



[1] A semântica linguística é definida como a ciência que estuda as diversas relações palavras com os objectos por elas designados, isto é, que se ocupa de averiguar de que modo e segundo que leis as palavras se aplicam aos objectos. A semântica linguística é uma ciência empírica; a indução é o método por ela usado para a formulação das suas leis.
[2] Vale lembrar que a nossa língua portuguesa é originaria do latim o qual também é originário pelo menos cinqüenta por cento da língua grega.
[3] A conceituação dos termos foi pesquisada pelo site: http://pt.wikipedia.org/wiki/laicismo
[4] Quando se fala de Igreja não se refere somente à Igreja Católica Romana, mas todos os ramos do cristianismo.
[5] O secularismo se refere a tudo que não é religioso. Tudo aquilo se se sujeita a leis civis sem a intromissão de quaisquer religiões.
[6] Ibid,  site: http://pt.wikipedia.org/wiki/laicismo