A RELAÇÃO IGREJA-ESTADO NO BRASIL
As relações do poder secular
(Estado) e religioso (Igreja) no Brasil remontam o modelo de Estado português
anterior a colonização. Haja vista, o Brasil foi colonizado por Portugal e não
pode ser compreendido fora deste contexto.
A história da Igreja cristã em
Portugal remonta a história da Península Hispânica antes mesmo do Imperador
Constantino. Este tempo remonta À era apostólica quando o propósito da igreja
nascente era de evangelizar toda a Europa. [1] A Igreja
se estabeleceu e consolidou-se como instituição na Península por volta do ano
254 d.C., e logo tornou-se religião de Estado.
A Igreja Ibérica logo se
fortaleceu e foi sede de um Concílio Regional denominado "Concílio de
Elvira" em 300 d.C.
Por volta do ano 300 reuniu-se em Eliberis na Bética
(Elvira, hoje Granada na Andalusia) o concílio que tomou o nome da cidade. As
atas registram o dia do início e o nome e qualidade dos presentes; foi a 15 de
maio. Esquece-se de assinalar o ano: foi entre 300 e 304, às vésperas da grande
perseguição de Diocleciano comandada na Península por Taciano. Essas atas com
seus 81 cânones existentes são documentos, embora incompletos, do cristianismo
ibérico antes do Édito de Milão (313). (RIBEIRO, 1996, p.73).
A Igreja Ibérica se fortalece nos séculos posteriores,
mesmo com a invasão dos mouros e árabes, haja vista desde cedo fora protegida
pelo Império Romano. Em 451 A.D. no Concílio de Calcedônia, a Igreja Ibérica
envia representantes, e estes voltam do Concílio com o propósito de
evangelização das tribos germânicas, em especial os suevos. Desde então, a
Igreja se consolida no século V, no patriarcado de Bracara Augusta, atual
cidade de Braga. Foi nesta Cidade que se criou o primeiro arcebispado.
Mais tarde com a consolidação do Estado português, a
Igreja casa com o Estado, numa espécie de simbiose quando o poder civil se
confunde com o religioso. Especialmente em Portugal, existia uma espécie de
governo teocrático embora não declarado. Conseqüentemente a esta prática, os
grandes historiadores portugueses a chama de “casamento Igreja- Estado. Neste
período, chamado pelos historiadores de “pré-cristandade”, predominava a
simbiose "Igreja de Estado" ou Igreja-Estado. A Igreja não só era o
Estado, mas a própria sociedade.
A igreja era a sociedade e vice-versa, de modo que
pertencer à Igreja era um fato tão natural como nascer, viver e morrer, cujos
momentos eram marcados pelos ritos da Igreja. Desse modo, pertencer à Igreja
não significava nenhum compromisso especial, nenhuma forma de ser fora dos
parâmetros sociais. (MENDONÇA, 2002, p.266).
A religião exercendo hegemonia ideológica legitimava a
dominação, e a relação templo-palácio era o modelo de cristandade que infundia
um status ontológico de validade, que, na opinião de Berger (1985), "o
poder civil e religioso se tornam fenômenos sacramentais".
A união poder civil e poder religioso em Portugal
remonta a própria formação e consolidação do Estado português no século XIII.
Quando da chegada dos templários[2] que
foram perseguidos e expulsos da França, e, em Portugal encontra o apoio de D.
Dinis (1279-1325), muitos políticos do governo, inclusive o próprio D. Dinis
aderiram à ordem que passou a chamar de Ordem de Cristo.
D. Dinis vê que a principal causa da força do clero está no
ultramontanismo, palavra então desconhecida ainda para exprimir a influência e
autoridades soberanas dos papas sobre as Igrejas nacionais. [...] O rei, que
assim fomentava a educação e nacionalizava a Igreja. [...] É também no seu
tempo que um outro acto de grande alcance [...] nacionalizar as Ordens
militares. [...] Os monges militares tinham representado um papel importante no
movimento da reconstituição econômica dos territórios portugueses (MARTINS,
1987, p. 93, 97).
Mais tarde, o rei Cardeal Infante D. Henrique
consolidou a ordem, sendo então seu grão-mestre. Assim, no território português
a ordem ganhou mais poder e desempenhou um importante papel nos descobrimentos.
Isso aconteceu porque a Ordem tinha muitos bens e conhecimentos dos mares, e,
por conseguinte, transmitiu à chamada "Escola de Sagres" todo o vasto
conhecimento que já dispunham sobre navegação após anos singrando o mar
Mediterrâneo. Ademais, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral foram alunos e
integrantes da Ordem de Cristo, antiga Ordem dos Templários. Na história da
humanidade, o poder religioso e o poder civil sempre se confundiram. Religião e
nação eram hábitos e a formação mental dos povos desde a antigüidade. A Roma
pagã massacrou os cristãos, depois a Roma cristã dizimou os pagãos. As igrejas
cismáticas orientais exigiram submissão de toda gente que lá vivia; o islamismo
se impôs pela espada nas nações invadidas. A Igreja de Roma no seu alto apogeu,
implementa a pena capital religiosa pela inquisição.
Na opinião de Gonzaga (1993), em sua obra "A
Inquisição e seu Mundo", as leis
religiosas relativas à inquisição sobrepôs todo poder civil ou de
Estado. O poder religioso e o Direito Canônico estavam acima de quaisquer leis
de Estado. Entretanto, os poderes civis e religiosos estavam intrinsecamente
ligados ou subservientes.
A inquisição nunca foi um tribunal meramente eclesiástico;
sempre teve a participação do poder régio, pois os assuntos religiosos eram, na
antigüidade e na Idade Média, assuntos de interesse do Estado. [...] Quanto
mais tempo passava, mais o poder régio se ingeria no tribunal da inquisição,
servindo-se da religião para fins políticos (GONZAGA, 1993, p.15).
A concepção de Estado seguia a risca o pressuposto
tridentino que condenara a liberdade religiosa, os hereges e a separação da
Igreja com o Estado. A Igreja Católica, com isso, pretendia que o poder
temporal (civil) devia estar sujeito ao espiritual, como o corpo à alma que não
aceita regime de separação. Entendia o Papa e os vaticanistas que a separação
Igreja-Estado constituía engodo e, por isso, o Papa considerou aqueles que
pensavam o contrário do seu “syllabus” como anátema. Ademais, havia uma
preocupação do reino de Portugal e da Igreja Católica com a presença
protestante aqui, bem como o liberalismo progressista das nações protestantes.
Criticando o modelo de subserviência entre Estado e
religião na sua obra: "Deus e o Estado", Bakunin (1882),
defende que o projeto explorador do mundo encontrou acolhida na
religião, pois o projeto de colonização necessitava de legitimação de algo que
estava com o povo, o que era sobreposto na mente era a religião seja ela de
Estado ou não.
O Brasil como outros países açambarcados
ideologicamente pelo "sacro império", o "casamento"
da Igreja-Estado foi uma expressão exterior daquela estrutura profunda que se
chamou de cristandade. A Igreja Católica de Portugal estendida para as
suas colônias, especialmente no Brasil pretendia que o poder temporal se subordinasse
ao poder religioso, ou seja, uma teocracia. Era uma pretensão não
somente de Roma, mas do bispado português manter o status da religião exercendo
a soberania diretamente vinculada a Roma.
O Brasil como outros países açambarcados ideologicamente
pelo "sacro império", o "casamento" da Igreja
com o Estado foi uma expressão exterior daquela estrutura profunda que se
chamou de "a cristandade", ou seja, equivalente civil da igreja
Romana com o nome de teocracia capaz de abraçar os mais diversos organismos
políticos e ideológicos. Pode se notar, entretanto, que o clero católico
desempenhou funções laicas e seculares na política, na instrução escolar, no
comércio e nas comunicações.
Por outro lado, em Portugal a idéia de rei era de
senhor absoluto que agia em nome de Deus. Isso fora justificado mais ainda,
quando o cardeal e orador sacro Jacques Benigne Bossuet (1627-1704), formulou a
doutrina do absolutismo do direito divino segundo o qual o Rei era o
representante de Deus responsável apenas perante Ele por seus atos de governo.
Era nesta perspectiva que trabalhava o ideário católico
no Brasil desde o nascimento da colônia, pois a união Igreja e o Estado estavam
no projeto de poder e colonização destas terras. Por outro lado, em Portugal a
idéia de Rei era de senhor absoluto que agia em nome de Deus.
Na corte de D. Manuel (1495-1521), as relações
Igreja-Estado ficaram mais ainda estreitas e a Igreja e o Estado se confundiam.
D. Manuel em 1483 foi eleito grão-mestre da Ordem de Cristo que se transmitiram
aos seus sucessores. Mais tarde em 1551, o papa Júlio III anexou e incorporou o
grão-mestrado da Ordem de Cristo, bem como as de (São Tiago e São Bento) à
coroa de Portugal. Ademais, em 1514 D. Manuel cria a Embaixada papal em
Portugal, e o papa autoriza a criação do padroado.
Consegui-se o padroado pedido para a Ordem de Cristo, coisa
fácil; obteve-se a coleta das terças dos rendimentos eclesiásticos; e, além
disso, a Cruzada, que o núncio trouxe, e na execução da tirania dos oficiais
dela. [...] As questões religiosas, acordadas na Europa tinham em Portugal um
caráter particular. [...] obra em que D. Manuel trabalhou com afinco. (MARTINS,
1987, p. 236).
D. Manuel que se apoderou do poder civil e religioso,
publica em 1516 as leis para o Estado e para Igreja com o nome de Ordenações
Manuelinas. Numa perspectiva profundamente teocrática, publica:
Todo aquele que, por qualquer maneira disser que
arrenega ou não crê ou descrê de Nosso Senhor, ou de Nossa Senhora, ou de sua
fé, se for Vassalo ou de outra qualquer qualidade, que não seja peão, filho de
peão, ou se for escudeiro, ou cavaleiro, que fidalgo não for, seja degredado um
ano para Ceuta com um pregão em audiência, e pague dois mil reais para quem o
acusar; se for fidalgo seja degredado para um de nossos lugares d'além, e pague
três mil reais para quem o acusar; se for peão, filho de peão, levem-no ao pelourinho e metem-lhe uma agulha
dalbarda pela língua, e dêem-lhe vinte açoites com baraço e pregão, e enquanto
lhos derem tenha a dita agulha na língua metida, e mais pague mil reais para
quem o acusar. (ORDENAÇÕES MANUELINAS, 1516, Livro V, Título XXXIII).
Foi no contexto do reinado teocrático de D. Manuel, que
chega ao Brasil em 22 de abril de 1500, o navegador Pedro Álvares Cabral, com
um sentimento profundamente político-religioso. Ao avistar terra,
especificamente um monte no litoral da Bahia, deu-lhe imediatamente o nome de
Monte Pascoal, porque era o tempo da comemoração da páscoa. Em seguida,
celebra-se a missa pelo frei Henrique Soares de Coimbra. Cabral participa,
carregando em procissão o estandarte da Ordem de Cristo. Aliás, o início da
viagem de Cabral foi uma cena ou um serviço religioso.
A viagem de Pedro Álvares Cabral, que resultou na
descoberta oficial do Brasil, começou com um serviço religioso. Missa solene
foi cantada na capela inacabada do mosteiro de Belém, assistida pelo rei D.
Manuel, os grandes de sua Corte e por grande multidão de povo. O bispo Ortiz
fez um eloqüente panegírico do almirante. Abençoou o estandarte real da armada
e o chapéu que o papa Alexandre havia mandado para Cabral, em cuja cabeça o
próprio rei colocou. Então o rei e o almirante caminharam à frente da procissão
até o porto, conduzindo o resplandecente pavilhão real. Acima das velas dos
navios tremulava a cruz da Ordem de Cristo. Era 9 de março de 1500 (HAHN, 1989,
p.54).
A ideologia Igreja-Estado em sua plenitude do século
XVI, predominou nas conquistas tanto de Portugal como da Espanha
especificamente nas Américas. Todorov (1991), em seu clássico "A
Conquista da América", descreve um texto datado de 1514 de um jurista
real Palacios Rubios em que, no seu substrato, propugna não somente o reino
civil como também o reino religioso. O Requerimento diz:
Com a ajuda de Deus, invadir-vos-ei poderosamente e
far-vos-ei a guerra de todos os lados e de todos os modos que puder, e
sujeitar-vos-ei ao jugo e à obediência da Igreja e de Suas Altezas. Capturarei
a vós, vossas mulheres e filhos, e reduzir-vos-ei à escravidão. [...] disporei
de vós segundo as ordens de Suas Altezas (TODOROV, 1991, p.144).
Poder secular atrelado ao religioso era a dinâmica da
civilização e colonização portuguesa. A expansão do reino de Portugal seria a
expansão do "reino de Deus". Essa é a tese defendida por Jan
De Bie em 1970, apresentada na Universidade de Lovaina. A tese trata-se do
pensamento do padre Antônio Vieira sobre a fé católica e o reino de Portugal.
O reino de Portugal foi fundado em 25 de julho de 1139,
quando D. Afonso venceu os mouros em Ourique. Deus tinha dito ao rei na véspera
desta vitória: "quero em ti e na tua posteridade estabelecer o meu
império". [...] Daí a vocação especial de cada português, no sentido de
levar o nome de Deus aos gentios, de espalhar o seu nome em terras longínquas.
[...] A história de Portugal é uma verdadeira história da salvação. [..]
Portugal é o "seminário" da fé a ser propagada pelo mundo inteiro. As
caravelas portuguesas são de Deus. Os portugueses são anjos de Deus enviados
aos gentios que o esperam. Soldados e missionários unidos na grandiosa tarefa.
(HOORNAERT, 1991, p.35).
Esta simbiose entre religião e Estado transpôs de
Portugal para o Brasil, consubstanciando a posição do Estado Português de
modelo evidentemente teocrático, embora não declarado. O Brasil herdou o modelo
de cristandade de Portugal.
A organização da sociedade colonial luso-brasileira, a
partir do século XVI, teve como principal fundamentação teórica a concepção
filosófico-teológica do Estado Cristão, ou seja, da Cristandade. Segundo essa
perspectiva, a monarquia lusitana era vista como um reino sagrado fundado por
Deus, no qual os súditos, mediante a fidelidade à Coroa, expressavam ao mesmo
tempo sua fé em Cristo. Religião e nacionalidade eram consideradas então como
duas faces da mesma moeda. Foi em nome desse Estado Cristão que os lusitanos
impuseram a sujeição aos indígenas e o cativeiro aos negros, ao mesmo tempo em
que consolidava o domínio territorial mediante a expulsão dos franceses e dos
holandeses. Nessas diversas atuações e intervenções de natureza política e
econômica, estiveram sempre presentes as motivações religiosas. [...] Um dos
principais pilares da organização política da sociedade colonial tinha sido o
conceito sagrado de autoridade. [...] Este poder divino, por sua vez, era
legitimado pelo ritual da sagração dos reis. Assim sendo, os príncipes assumiam
um papel de pais e protetores dos súditos, dos quais se exigia fidelidade e
obediência. Pertencentes à nobreza, eram considerados de uma linhagem especial
(Azzi, 1991, p.5).
Ademais, o governo português criou em 1532 a Mesa da
Consciência e Ordens, funcionando como um departamento religioso do Estado com
extensão às colônias, a qual era responsável pelo padroado real. Depois de
alguns anos de sua implantação, esta Instituição passou a ser comandada pelos
jesuítas que aqui estabeleceram.
Os jesuítas exerceram no Brasil o monopólio não somente
religioso, bem como o político-ideológico. Eles chegaram ao Brasil em grande
quantidade em 1549 em companhia do primeiro governador geral, Tomé de Souza.
Os jesuítas começaram a planejar seu domínio em Portugal
desde a sua entrada em 1540. Não descansaram em seus intentos até encontrar
ocasião para desenvolver o seu sinistro plano. Este começou a se tornar
exeqüível no final do século XVI, quando o poder passou às mãos de mulheres, de
velhos decrépitos, de jovens inexperientes ou de estrangeiros. A manutenção da
filosofia arábico-aristotélica era apresentada como uma das armas jesuíticas
para manter-se no poder, negando à cultura portuguesa o acesso á ciência
moderna. Daí a apologia de Vreney e da obra Verdadeiro método de ensinar feita
pela Dedução. (AZZI, 1991, p.56).
Gilberto Freire (1980), com toda propriedade, aponta as
características da colonização do Brasil por intermédio da religião feita pelos
jesuítas. Sua opinião é a de que eles idealizaram e implementaram no País um
modelo de teocracia.
A nossa verdadeira formação social se processa de 1532 em
diante, [...] O oligarquismo ou nepotismo, que aqui madrugou, chocando-se ainda
em meados do século XVI com o clericalismo dos padres da Companhia. Em oposição
aos interesses da sociedade colonial, queriam os padres fundar no Brasil uma
santa república de "índios domesticados para Jesus" como os do
Paraguai; seráficos caboclos que só obedecessem aos ministros do Senhor e só trabalhassem
nas suas hortas e roçados (FREIRE, 1980, p.60).
Ademais, os jesuítas conquistaram autêntico monopólio
do ensino em Portugal, e subordinaram-se à Companhia. Além de uma Igreja
monopolizada, tinha um sistema pedagógico monopolizado.
Uma Igreja monopolizava o sistema religioso e, sob a
liderança jesuítica. [...] Os jesuítas controlavam o sistema pedagógico e
submetiam a elite intelectual portuguesa à forma bastante estreita da Ratio
Studiorum: O controle estendia-se até à obra dos Santos Padres, cuja
consulta estava sujeita à deliberação especial do Reitor. [...] No sistema
religioso, a hegemonia jesuítica era disputada pelo sistema político, a cujo
regalismo a concessão do padroado, com o grão-mestrado das Ordens Militares, e
o beneplácito, havia entregado boa parte da administração da Igreja (RIBEIRO,
1973, p. 24-25).
O clericalismo dos padres da Companhia foi colidindo
com as oligarquias regionais, consolidando uma colonização que, na perspectiva
de Freire, foi "semi-eclesiástica" e "semifeudal". Essa
interpretação de Freire faz coro com os pronunciamentos e reflexões do
intelectual da época do início da República, Sílvio Romero (1851-1914), que em
seus artigos publicados no Jornal "Diário de Notícias"
é da opinião que: "[...] nossa nação foi formada sob o regime teocrático,
ajudado pelos jesuítas." Uma outra opinião semelhante a de Freire e de
Romero é a do sacerdote romanista Júlio
Maria, que diz:
[...] as missões jesuíticas eram complicadas pelo plano que
os discípulos de Loiola[1] tinham
que dominar o mundo não só com as armas espirituais, mas também com os
instrumentos mundanos. [...] queriam criar Estados ou nações jesuíticas. [...]
Nóbrega e Anchieta, e os fundadores das missões ou reduções do Brasil,
cooperaram com os capitães nas guerras contra os indígenas. (MARIA, 1950, p.
33-34)
Os jesuítas tendo à frente suas luminares como Nóbrega
e Anchieta, não só domesticavam os índios, mas promoveram a conversão forçada
deles. Na opinião de Serafim Leite (1950), os jesuítas maquinavam instalar no
planalto Piratininga o quartel general da companhia, ampliando desta forma os
limites do fabuloso império jesuíta. Em carta enviada pelo jesuíta, soldado e
viajante Antônio Rodrigues a Coimbra diz:
De S. Vicente, do último de maio de 1553. Pax Christi. -
Ainda que até agora, com muitos perigos, andei navegando por este mar do sul,
onde há tantas tormentas, que poucos navios escapam, contudo confesso:
Caríssimos Irmãos, até agora ter navegado por outro mar mais perigoso, que é o
deste mundo e suas vaidades, onde tantos se perdem, do qual Nosso Senhor me
livrou por meio do Padre Manuel da Nóbrega, recebendo-me na Santa Companhia de
Jesus, trazendo-me já Nosso Senhor movido para entrar nela vendo quanto tempo e
com quantos perigos tinha sido soldado no mundo, com tão pouco proveito, e que
entrando nela entrava em melhor batalha, que é das almas, e com tão grande
prêmio, que é a remuneração eterna. [...] Eu falei com o P. Manuel da Nóbrega
que fosse ou mandasse lá um da nossa Companhia, porque ali perto há outros
gentios que não comem carne humana, gente mais piedosa e aparelhada para
receber a nossa santa fé. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, Arquivo consultado em
dezembro de 2006).
Um relato documental falando do jesuitismo e um tanto
antagônico aos relatos de Gilberto Freire e Antônio Rodrigues, embora com a
mesmo colorário da dinâmica jesuítica, é "O Tratado da Terra do Brasil"
escrito em (1562) por Pêro de Magalhães que, em Carta enviada ao rei de
Portugal (cardeal D. Henrique), falando das Capitanias, destacando o trabalho
dos jesuítas em quase todas elas, menciona-os com destaques positivos.
Ao mui alto e Sereníssimo Príncipe dom Henrique, Cardeal,
Infante de Portugal. Posto que os dias passados apresentei outro summário da
terra do Brasil a el-Rei nosso Senhor, foi por cumprir primeiro com esta
obrigação de Vassallo que todos devemos a nosso Rei. [...] A principal povoação
se chama Santos, onde está hum mosteiro de padres da Companhia de Jesus. A
outra mais avante ao longo do Rio huma legoa he Sam Vicente; também ha nella outro
mosteiro de padres da Companhia. Pela terra dentro dez légoas edificaram os
mesmos padres huma povoação entre os índios que se chama - o Campo, na qual
vivem muitos moradores, a maior parte delles são mamalucos filhos de
portuguezes e de índias da terra. Aqui e nas mais Capitanias têm feito estes
padres da Companhia grande fruito e fazem com que a terra va em muito
crescimento e trabalho, por fazer Christãos a muitos índios e metem muitas
pazes entre os homens; também fazem restituir as liberdades de muitos índios
que alguns moradores da terra têm mal resgatados: assi que sempre acodem aos
que se desviarão do serviço de Deos e de S. A..
(, Tratado da Terra do Brasil, 1980,
p.13).
Em 25 de fevereiro de 1551, o papa Júlio III emite a
bula "Super specula militantis ecclesiae", em resposta ao
pedido do rei D. João III para a criação do primeiro bispado no Brasil. Esta
bula também consubstanciou a concessão de direito de padroado[2] aos reis
de Portugal e que também foi extensivo às suas colônias. A Bula diz:
[...] do mesmo modo reservamos e concedemos o direito de
padroado e de apresentação a nós e ao Pontífice Romano que então existir, a de
uma pessoa idônea para dita Igreja de São Salvador. [...] e declaramos que o
direito de padroado e de apresentação existe como todo o vigor, essência e
eficácia em virtude de verdadeira e total doação, e não poderá ele ser
derrogado nem mesmo pela Santa Sé, sem primeiro intervir o consentimento
expresso de João, Rei e Gão-Mestre. (AZZI, 1994, p.165).
Os direitos de padroado eram extensivos. Tanto os
monarcas como os cardeais ou superiores de Ordens Eclesiásticas passaram a
exercer ao mesmo tempo poder civil e poder religioso. Por concessão da Santa
Sé, o título de Grão-Mestre conferia aos reis de Portugal também o regime
espiritual.
A partir da criação do bispado com sede em Salvador,
desenvolve-se a administração eclesiástica do Brasil. Em 1707, promulga as
"Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia"[3], o
agente principal de execução da Lei civil será o clero secular. A partir das
Constituições do Arcebispado, perde a validade as Ordenações Filipinas, as
quais eram de iniciativa do Rei, e agora os bispos implantam uma lei católica,
a qual vai reger a vida cotidiana. Toda essa organização eclesiástica deste
período sobrepôs o regime de padroado. Neste caso o rei apenas ficou
subserviente da religião. Na prática, principalmente nas colônias, os bispos
exerciam hegemonia. Quanto a outras religiões e judeus, diz as Constituições do
Arcebispado da Bahia:
Para que o crime de heresia e judaísmo se extingue, e seja
maior a glória de Deus nosso Senhor, e aumento de nossa Santa Fé Católica, e
para que mais facilmente possa ser punido pelo Tribunal do Santo Ofício o
delinqüente, conforme os Breves Apostólicos concedidos à instância dos nossos.
Sereníssimos Reis: a este sagrado Tribunal, ordenamos e mandamos a todos os
nossos súditos, que tendo notícia de alguma pessoa ser herege, apóstata de
nossa Santa Fé, ou judeu, ou seguir doutrina contrária àquela que ensina e
professa a Santa Madre Igreja Romana, a denunciem logo ao Tribunal do Santo
Ofício no termo de seus Editais, ainda sendo a culpa secreta, como for
interior. (Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro V, Título I,
886, ano de 1707).
Ademais, o regime do padroado atrelou as atividades
religiosas ao poder real, transformando a Igreja Católica em instrumento legal
de administração e controle. A transferência do padroado português para os
monarcas brasileiros, procedentes da mesma dinastia, permitira o controle de
negócios da Igreja em todos os sentidos.
O clero açambarcou o poder secular como extensão do
império católico. Nesta perspectiva escreve Souza e Silva:
Ah! e como viviam os povos avexados por quantos impostos
imaginavam o clero, a magistratura e o fisco! O colono trabalhava como de
parceria para essas três harpias esfaimadas, que só se nutriam de ouro, e que
cada vez se mostravam mais insaciáveis; envelhecia antecipadamente nos rudes
trabalhos da mineração, enquanto que os padres e os seus empregados
eclesiásticos, enquanto os ministros e os que viviam da justiça pública,
enquanto os contratadores do fisco e seus apaziguados se deleitavam com as suas
propinas e viam seus dias se deslizar pacificamente como se estivessem num éden
dourado, verdadeiro paraíso das riquezas. Entendia o clero que a primeira
caridade cristã era tornar as igrejas em mais rendosos mercados deste mundo,
embora o fosse à custa de repetidas violências e vexações. Não eram os
preceitos da lei que professavam, nem o ensino das máximas do Evangelho, tão
necessárias à educações religiosa dos povos, que eles faziam pagar a peso de
ouro; — eram insuportáveis e forçadas contribuições extorquidas pelos párocos
aos seus fregueses debaixo de pretextos de direitos paroquiais, benesses e pés
de altar; eram as grandes e consideráveis taxas por conta de espórtulas,
emolumentos, prós e percalços exigidos pela câmara e chancelaria episcopal e
pelo juízo eclesiástico em beneficio da mitra e dos juízes e oficiais de tais
repartições. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, org. Joaquim Norberto de Souza e
Silva, 1860, p.20).
O padroado foi o meio do qual o rei, agindo como
governador da Ordem de Cristo, controla as nomeações dos cargos eclesiásticos e
encarrega-se da subvenção financeira de todas as atividades eclesiásticas, bem
como as nomeações.
A religião fundia-se com o poder político, garantindo
sua legitimidade, e conseqüentemente seu status hegemônico como religião
estatal.
A Sé Romana não só tomou sobre si os julgamentos e
decretos sobre a vida social ou cotidiana, como também reivindicou e conseguiu
a subordinação do poder temporal ao poder espiritual (papal).
Para bem compreender a concepção teocrática de governo,
é sempre salutar lembrar que em toda Idade Média e até o fim do século XIX,
este modelo fora defendido pela Igreja Romana, da mesma forma que é defendido
ainda hoje, na maior parte do mundo, por nações que naturalmente encorajam
diversas formas de despotismo por meio da religião.
A Igreja Católica de Portugal estendida para as suas
colônias, especialmente no Brasil pretendia que o poder temporal se
subordinasse ao poder religioso, ou seja, uma teocracia. Era uma
pretensão
não somente de Roma, mas do bispado português manter o
status da religião exercendo a soberania diretamente vinculada a Roma.
O Brasil como outros países açambarcados
ideologicamente pelo "sacro império", o "casamento"
da Igreja com o Estado foi uma expressão exterior daquela estrutura profunda
que se chamou de "a cristandade", ou seja, equivalente civil da
Igreja Romana com o nome de teocracia capaz de abraçar os mais diversos
organismos políticos e ideológicos. Pode se notar, entretanto, que o clero
católico desempenhou funções laicas e seculares na política, na instrução
escolar, no comércio e nas comunicações.
Por outro lado, em Portugal a idéia de rei era de
senhor absoluto que agia em nome de Deus. Isso fora justificado mais ainda,
quando o cardeal e orador sacro Jacques Benigne Bossuet (1627-1704), formulou a
doutrina do absolutismo do direito divino segundo o qual o Rei era o
representante de Deus responsável apenas perante Ele por seus atos de governo.
Era nesta perspectiva que trabalhava o ideário católico
no Brasil desde o nascimento da colônia, pois a união Igreja e o Estado estavam
no projeto de poder e colonização destas terras. Por outro lado, em Portugal a
idéia de Rei era de senhor absoluto que agia em nome de Deus. Seria aquilo que
ficou conhecido como Teocracia. Nesta perspectiva, o "casamento"
da Igreja com o Estado foi uma expressão exterior daquela superestrutura
profunda que se chamou de cristandade, que aqui nominaliza-se como teocracia.
A Igreja durante toda a idade média, ou seja, desde o
ápice do Império Romano, assegurou seu poder temporal junto com o poder
religioso ou espiritual, a tal ponto que o papa foi considerado o chefe supremo
da cristandade, ou seja, "Império Católico do Ocidente". Nesta
perspectiva só poderia pensar e escrever aquilo que a igreja autorizava, tudo o
que alguém escrevia deveria passar sob os crivos da igreja. O papado imbuído da
"plenitudo potestatis"[1],
desenvolveu-se ao longo da história, a supremacia sobre os reis e príncipes,
chegando ao seu apogeu no pontificado de Inocêncio III (1198-1216), quando
defendeu que o poder temporal (civil) deva estar sujeito ao espiritual
(Igreja), como o corpo à alma que não aceita regime de separação.
Para bem compreender a concepção teocrática de governo,
sempre notar que em toda Idade Média e até o fim do século XIX, este modelo
fora defendido pela Igreja Romana, da mesma foram que é defendido ainda hoje,
na maior parte do mundo, por religiões que naturalmente encorajam diversas
formas de despotismo por meio da religião.
Pode se dizer que nesta visão medieval de autoridade,
o poder civil só adquiria legitimidade em virtude da delegação que ele recebia
do poder religioso (Igreja). A única autoridade suprema reconhecida era a que
provinha de Deus por meio do poder religioso do papa. Neste sentido, a Igreja
pelo papa, achava-se autorizada a delegar o poder político. Essa concepção
teocrática defendia o substrato de autoridade político-religiosa de direito
divino. Tal doutrina ou concepção atribuía ao soberano Pontífice a origem do
duplo poder político e religioso. Isso fora definido plenamente pelo papa Gregório VII (1025-1085).
Tal concepção ou tese de "poder" foi constantemente reformulada pelos
soberanos Pontífices no decurso dos tempos até o século XX.
Para bem compreender a estrutura do regime teocrático é
necessário entender a conceituação e a semântica do que é teocracia.
A palavra Θεοκρατία (Teocracia) originou da junção de
dois vocábulos gregos. O primeiro Θεός ou Θεοστυγής que na tradução para o
português é Deus ou divindade. Os termos geralmente foram usados no mundo
antigo para seres que têm poder ou conferem benefícios que estão além da
capacidade humana. Em traduções para o latim como para outras línguas,
especificamente o termo Θεός com maiúscula refere-se a uma divindade específica
ou maior divindade. O segundo termo é κρατία que vem da raiz κράτος que se
refere sempre a poder, força, majestade ou ato poderoso. A palavra é usada no
grego clássico como governo. Portanto pode-se concluir que teocracia
significa "governo de Deus". A teocracia representava genericamente o
governo de certas pessoas tidas como divinas ou que estavam a serviço dos
deuses. Estas pessoas se destacavam por seu valor místico ou mítico, nobreza de
berço por ser considerado filho de um deus ou um rei deus ou de atos de bravura
quando se ganhava uma guerra, segundo a mitologia pela ajuda dos deuses.
Os brâmanes da Índia e da China, os babilônicos, os
sumérios, antigas civilizações, constituíram seus governos com pressupostos
teocráticos. Para essas antigas civilizações, os governos eram constituídos por
mandados dos deuses.
Bobbio (2004) designa teocracia não somente como um
termo de valor semântico, mas como uma acepção político-teocrática. Nesta
perspectiva, diz:
Designa-se um ordenamento político pelo qual o poder é
exercido em nome de uma autoridade divina por homens que se declaram seus
representantes na terra, quando não uma sua encarnação. Bem característica do
sistema teocrático é a posição preeminente reconhecida à hierarquia sacerdotal,
que direta ou indiretamente controla toda a vida social em seus aspectos sacros
e profanos. A subordinação das atividades e dos interesses temporais aos
espirituais, justificada pela necessidade de assegurar antes de qualquer outra
coisa a salus animarum dos fieis, determina a subordinação do laicado ao
clero. [...] Pelo que tange à civilização ocidental, a tentativa mais séria de
dar vida a um modelo político-teocrático deu-se entre o final do século XI e o
início do século XIV, por obra do papado. (BOBBIO, 2004, p.1237).
No modelo teocrático, o Estado está a serviço da
Igreja, assim como a Igreja está a serviço do Estado. Entretanto, há uma
superioridade da lei eclesiástica sobre a civil.
De fato, uma vez aceita a premissa de que o poder
espiritual é superior a todo poder terreno em dignidade e nobreza, segue-se a
coseqüência de que quando o poder terreno erra, será julgado pelo espiritual (Unam
sanctam): daqui o direito do pontífice depor os soberanos e de liberar seus
súditos do vínculo de obediência (é universalmente conhecido o episódio de
Herique IV deposto do trono por Gregório VII e obrigado a dirigir-se a Canossa
para obter o perdão do papa). Da mesma forma, a afirmação da superioridade da
lei eclesiástica sobre a civil é coerente com os princípios expostos acima,
sendo que a segunda é considerada sem valor todas as vezes em que entra em
choque com o direito canônico. Finalmente, o Estado é obrigado a colocar suas
forças a serviço da Igreja, tanto para combater seus inimigos externos (é neste
contexto que se inscrevem as cruzadas sugeridas pelos pontífices contra os
infiéis), como para assegurar no seu seio a ortodoxia, reprimindo todo episódio
de heresia e de dissenso religioso. (BOBBIO, 2004, p.1238).
Na perspectiva teocrática, o Estado subserviente da
Igreja, e a Igreja do Estado, ambos passam a ter um domínio radicalmente
totalitário, pois se limita a destruir as capacidades políticas e a liberdade
do homem, isolando-o e privando de sua individualidade e liberdade de pensar.
No Estado teocrático, o principal instrumento
institucional é a da ditadura, capaz de superintender as questões não somente de
governo, mas da vida privada em todos os seus aspectos. Nesta perspectiva, o
Estado subserviente da Igreja, torna-se um Estado absoluto e totalitário a
serviço de uma ideologia profundamente religiosa. Em certo sentido, no modelo
de cristandade que perpetuou na Idade Média e especialmente no Brasil em sua
colonização por quase 400 anos, o substrato do poder foi essencialmente
religioso ou teocrático. Esta exagerada dinâmica da política e governo
teocrático realizou-se sob o domínio de verdadeira pretensão política
religiosa.
[...]........
[1]enitudo Potestatis: significa que o papado tinha
todo o poder tanto temporal como espiritual.
[1]Inácio de Loiola, fundador da Companhia de Jesus,
denominada e conhecida como "os
Jesuítas"
[2]O Padroado conseguiu controlar a Igreja no Brasil.
Os custos da Igreja eram pagos pela fazenda real, que controlava a Igreja, que
de certa forma não estava diretamente subordinada ao papa e sim ao rei.
[3]O Arcebispado da Bahia, primeiro do Brasil, foi
criado pelo papa...
[1] O
Apóstolo Paulo traça o plano de viajar para Espanha, pois a península Ibérica
(Portugal e Espanha) era alvo da evangelização apostólica e da plantação de
igrejas. (Rm 15.24).
[2]Os templários foi uma Ordem Católica militar
religiosa fundada durante as cruzadas em Jerusalém em 1118 e que foi
reconhecida pela Igreja no Concílio de Troyes. Atrelava o poder civil ao
religioso, inclusive com o uso de armas e guerra.