*Mauro Ferreira de
Souza é Bacharel em Filosofia e Teologia (Universidade Mackenzie), Direito
(UNIB), Especialista em Filosofia Contemporânea e Historia pela (Universidade
Metodista) e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie São
Paulo. Doutorando em Filosofia.
A
IMPORTÂNCIA DA DISCIPLINA “FILOSOFIA DO DIREITO” NA GRADUAÇÃO
Considerações
iniciais
A
disciplina “Filosofia do Direito” nos cursos de graduação em Direito espalhados
pelo Brasil, sempre suscitou algumas discursões por parte das Faculdades, corpo
docente e discente. Havia um ar de incredulidade, desconfiança e desinteresse
até mesmo por parte do corpo de coordenadores dos cursos nas Universidades.
Haja vista, em algumas, esta disciplina é oferecida em apenas um semestre.
Há um intenso debate sobre o ensino e a
pesquisa no Direito, que levam em consideração em especial apenas as disciplinas
técnicas operacionais, sem contudo levar no mesmo nível a “Filosofia do
Direito”. Ela faz parte do grupo de disciplinas tidas como “sem importância”,
algo cunhado a muitos anos. Notadamente a partir do ano 2000 com o surgimento
de vários concursos públicos e especificamente para Magistratura é que se viu a
importância desta disciplina.
O
caso mais positivo para esta disciplina ocorreu com a Resolução nº 75/2009 do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) inserindo um conteúdo mais abrangente na área
especifica de Filosofia do Direito atrelada à Teoria Geral do Direito e da
Política.
Esta
disciplina ultrapassou a partir daí os muros da técnica jurídica e avançou para
a interdisciplinaridade das ciências humanas e sociais que a um bom tempo foi
marcado pelo tecnicismo dos operadores do Direito. Nesta perspectiva, segundo
Miguel Reale[1],
nasce a Filosofia do Direito.
Um
pouco da história da disciplina
As
disciplinas não profissionais, que também são chamadas aqui de zetéticas[2],
sempre existiram nos currículos das faculdades de Direito. O parecer do MEC
CNE/CES 211 de 2004 que trata sobre a reformulação dos currículos, faz um
resgate das disciplinas zetéticas ao longo da história da educação, apontando
que: em 1854 havia a disciplina de Direito Natural nos primeiros e segundos
anos; em 1895 surgiram as disciplinas de Filosofia do Direito, História do
Direito e Direito Romano; em 1963 surge a Introdução à Ciência do Direito; em
1972 surge uma série de disciplinas zetéticas que são chamadas de disciplinas
básicas em contraponto as disciplinas profissionais e entre elas estão
Introdução ao Estudo do Direito, Economia, Sociologia; em 1981 as disciplinas
zetéticas[3]
estão em dois blocos: a) matérias básicas- Introdução à Ciência do Direito,
Sociologia geral, Economia, Introdução à Ciência Política e Teoria da
Administração, b) matéria de formação geral- Teoria Geral do Direito,
Sociologia Jurídica, Filosofia do Direito, Hermenêutica jurídica e Teoria Geral
do Estado; em 1994 as disciplinas zetéticas estão na classificação das matérias
fundamentais que são: Introdução ao Direito, Filosofia (geral e jurídica),
Ética (geral e profissional), Sociologia (geral e jurídica) e Economia e
Ciência Política (com Teoria do Estado).
O
currículo vigente hoje para as Faculdades de Direito não apresenta mais
disciplinas em um currículo fixo obrigatório em suas grades curriculares, e
fica a critério de cada faculdade apresentar uma grade curricular própria,
elencando as disciplinas que farão parte do curso. Porém, a nova diretriz
curricular entende que o curso deve ser dividido em três eixos de formação:
fundamental, profissional e prático. O eixo fundamental é que se encontram as
disciplinas zetéticas, elencadas em um rol exemplificativo: Antropologia,
Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia, Sociologia.
Segundo as diretrizes do MEC (resolução CNE/CES N.9 de 29 de set. de 2004),
essas disciplinas têm o objetivo “de integrar o estudante no campo,
estabelecendo relações do Direito com as outras áreas do saber”.
O
CNPQ a partir de 2004 definiu o Direito como ciência social aplicada e a
existência de uma sub-área denominada Filosofia e Teoria Geral do Direito
dentro dessa área. As próprias agências de fomento tendem a desconsiderar as
áreas zetéticas, apontando todo o direito como técnica e o definindo como
ciência social aplicada.
Para
Tércio Sampaio Ferraz Jr. a disciplina leva o Direito a reflexão além da
técnica estabelecimento de um ponto de partida sólido para o estudo macro do
direito. Em sua obra “Tópica e Filosofia do Direito”, no capítulo relativo aos
“Problemas sistêmicos da dogmática jurídica e a investigação jurídica”. Tércio
Sampaio leva essa abordagem para uma divisão entre as disciplinas ministradas
no Direito, atribuindo caráter dogmático a umas e zetético a outras. “É o
desafio de ir além da técnica”.
Marcos
Nobre[4],
professor de Filosofia, ao comentar sobre a pesquisa em Direito, se pergunta
por que “o Direito, como disciplina acadêmica, não tenha acompanhado o
vertiginoso crescimento qualitativo da pesquisa em Ciências Humanas no Brasil,
nos últimos 30 anos?” A resposta dada por Marcos Nobre é que “o atraso está
ligado a dois fatores fundamentais. Em primeiro lugar, o isolamento em relação
a outras disciplinas das Ciências Humanas e uma peculiar confusão entre prática
profissional e pesquisa acadêmica”.
O
que estuda a disciplina filosofia do direito
Os
autores e professores mais destacados no Brasil foram e ainda é Miguel Reale e
Paulo Nader. No inicio foi Miguel Reali que preparou o conteúdo programático
para tal disciplina e até hoje é seguido pelas renomadas Faculdades de Direito
no Brasil, como por exemplo, a USP- Universidade de São Paulo, notadamente a
Unidade tradicional do Largo São Francisco na Capital.
Reali[5] em
sua obra[6] e
pela experiência acadêmica delineou plenamente o que é a disciplina e os
docentes posteriores seguiram na mesma linha.
Paulo
Nader posteriormente analisaria a “Filosofia do Direito” na Pós-modernidade.
Nesta dimensão temporal, traz à colação o positivismo mitigado de Norberto
Bobbio; o sistema autopoiético de Niklas Luhman; o positivismo crítico de
Michel Foucault; o liberalismo igualitário de Ronald Dworkin; o modelo
reconstrutivo de John Rawls; a desconstrução de Jacques Derrida; a tópica
jurídica de Theodor Viehweg; a teoria da argumentação de Chaïm Perelman e
Robert Alexy; e a ação comunicativa de Jürgen Habermas. O autor aborda, ainda,
a Filosofia do Direito no Brasil, em que expõe a doutrina de nossos mais
ilustres jurisfilósofos a partir de Tomás Antônio Gonzaga, autor de Tratado de
Direito Natural. Entre as dezenas de pensadores considerados, destacam-se as
figuras exponenciais de Clóvis Beviláqua, Pedro Lessa, João Arruda, Miguel
Reale, F. C. Pontes de Miranda, A. Machado Paupério, Paulo Dourado de Gusmão,
Djacir Menezes, Carlos Campos, E. Godói da Mata-Machado, A. L. Machado Netto e
Lourival Vilanova. Os mais variados temas, simples ou complexos, são expostos
em linguagem clara e acessível à compreensão do meio acadêmico. Os autores
citados por Nader, bem como sua experiência na área, e, aliada à necessidade acadêmica, o
proporcionou publicar uma obra como fator de catalisação do processo de
reflexão sistemática e metódica da Filosofia do Direito que determinou a
elaboração desta, cujo objetivo é proporcionar ao estudioso e ao estudante
motivos de inspiração para sua reflexão pessoal sobre o Direito.
Em
pesquisa na maioria das Universidades encontrei o conteúdo ou programa de estudo
da dentro da disciplina como segue:
Objetivos: Proporcionar ao
aluno a estruturação crítica da experiência jurídica a partir do estudo das
várias escolas jus filosóficas, conduzindo-o a compreender em dimensão
totalizante o fenômeno jurídico e suas relações com a sociedade e o poder
social.
Ementa:
Pressupostos da Filosofia Geral Conceitos , Características e objeto de Estudo
, Importância e Utilidade, Conhecimento e Filosofia, Estudo Epistemológico da
Filosofia do Direito, Filosofia do Direito e suas Dimensões , A Historia da
Filosofia do Direito na Antiguidade, Na Idade Média, A Filosofia do Direito na
Modernidade. A Filosofia do Direito na Idade Contemporânea: e usas influencias.
Especificamente
na USP- Faculdade de Direito[7],
encontram-se a disciplina e seu conteúdo desta forma:
Filosofia do Direito I - DFD 441 -
5º semestre: 01. Filosofia - seus elementos
característicos - Unidade, Universalidade, Exigência crítica. 02. Divisão de
Filosofia - Seus temas principais; Teoria Geral do conhecimento: lógica e
ontognoseologia - Axiologia e Metafísica. 03. A Filosofia da doutrina
positivista - Filosofia e Ciência - O neopositivismo. 04. Graduação de
conhecimento - conhecimento vulgar científico e filosófico. 05. Estrutura do
conhecimento - Tipos, leis e princípios - Aplicação desses conceitos no mundo
jurídico - As três teorias principais sobre os princípios gerais de Direito. 06.
As épocas filosóficas sob prisma gnoseológico: da ontologia clássica à
ontognoseologia. 07. Do conhecimento quanto à origem. 08. Do conhecimento
quanto à essência. 09. Do conhecimento quanto ao método: a) do conhecimento
imediato ou intuitivo; b) conhecimento mediato. 10. Do conhecimento quanto ao
seu alcance. 11. Teoria dos objetos - ser e dever ser - Objetos naturais
psíquicos e ideais. 12. Os valores - suas características. 13. Principais
teorias sobre o valor: a psicológica e a sociológica. 14. Principais teorias
sobre o valor: a ontológica e a histórico-cultural. 15. Objetos culturais e
conceito de cultura - Natureza e cultura - Estrutura dos bens culturais. 16.
Ciclos de cultura - Cultura e civilização - Vico Splenger - Tonybee -Cultura e pessoa
humana. 17. Explicação e compreensão - Ciências Naturais e Ciências Culturais –
Ciências Compreensivas. 18. Situação do Direito no mundo da cultura - o Direito
como objeto da Filosofia - Filosofia do Direito e Ciência do Direito.
Filosofia do Direito II - DFD 442 -
6º semestre: 19. A divisão da Filosofia do Direito
segundo Del Vecchio e Stammler. 20. Divisão da Filosofia do Direito em Ontognoseologia
Jurídica e suas partes principais. 21. A doutrina de Pedro Lessa - seu conceito
de Dogmática Jurídica. 22. Crítica do empirismo jurídico - As retificações dos
empiristas à luz da crítica do aprioristas. O neopositivismo jurídico. 23. O neo-Kantismo
de Marburgo - a doutrina de Rudolf Stammler. 24. A doutrina Del Vecchio. 25. A
doutrina do sociologismo jurídico - Leon Duguit. 26. A Teoria Pura do Direito
de Hans Kelsen[8]:
Objetivos da Teoria Pura - A estrutura da norma jurídica - A graduação das
normas e a fundamental. 27. A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen: Estado e
Direito - Vigência e Eficácia - A última fase do pensamento de Kelsen[9]. 28.
O moralismo jurídico e o Direito Natural. Santo Tomás - V. Catherin. Posições atuais
do Direito Natural. 29. Espécies de tridimensionalidade do Direito: seu quadro
compreensivo. 30. O neokantismo de Baden, Lask e Radbruch e a
tridimensionalidade genérica. 31. A tridimensionalidade específica do direito -
Sua espécie e característica. 32. A tridimensionalidade específica e dinâmica -
Seus pressupostos metodológicos. 33. A Teoria da ação e da conduta - Valor;
dever ser e fim - Espécies de conduta. 34. O poder e nomogênese - A norma
jurídica, estaticamente considerada, como integração do fato e valor. 35.
Dinâmica de Direito - O processo da normatividade jurídica - consequências no plano
da interpretação do Direito - conceito de "Ordenamento Jurídico". 36.
Formas do conhecimento jurídico à luz da teoria tridimensional específica e
dinâmica, no plano transcendental e no empirismo positivo. 37. A validade do
Direito: vigência, eficácia e fundamento. 38. Direito e Moral na Grécia, em
Roma e na Idade Média - Thomasius e a teoria da exterioridade. 39. Direito e
Moral: coercibilidade e heteronomia. 40. Bilateralidade atributiva -
Bilateralidade contratual e institucional - Espécies.
[...]...
Considerações
finais
Finalizo este trabalho
trazendo a baila o fundamento conclusivo na pessoa de Hans Kelsen. O jurista e
humanista viu a necessidade do direito atravessar as fronteiras dos compêndios
dos legisladores.
Hans
Kelsen buscou na “Teoria Pura”
estabelecer não somente um conceito universalmente válido de Direito, mas a
pluridisciplinaridade e a conexão necessária entre o Direito e a Filosofia.
Isso deveria ser feito segundo ele, sem que dependesse da conjuntura em que
fosse aplicado. E esse escopo foi, em grande parte, alcançado pelo jurista. O
Direito passou a dialogar com outras ciências sociais e passou ele mesmo a ser
considerado ciência social.
A
Filosofia do Direito bem como a Sociologia Jurídica passaram então a fazer
parte em grande medida a compor os currículos disciplinários nos círculos
universitários. [...].......
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*Mauro Ferreira de
Souza é Bacharel em Filosofia e Teologia (Universidade Mackenzie), Direito
(UNIB), Especialista em Filosofia Contemporânea e Historia pela (Universidade
Metodista) e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie São
Paulo. Doutorando em Filosofia.
[1]
Reale foi o incentivador da
Filosofia do Direito em termos de interdisciplinaridade, haja vista ter
publicado as seguintes obras: Estudos de
Filosofia e Ciência do Direito (1978), O
Homem e seus Horizontes (1980), A Filosofia na Obra de Machado de Assis (1982),
Verdade e Conjetura (1983), Introdução à Filosofia (1988), Estudos de Filosofia
Brasileira (1994), Filosofia do direito (1938), Filosofia do Direito (1953), Teoria
Tridimensional do Direito (1968), O Direito como experiência (1968), Direito
Natural/Direito Positivo (1984), Fontes e modelos do Direito (1994).
[2] Zetética são investigações que
tem por objeto o “Diireito” no âmbito da Sociologia, Antropologia, História,
Filosofia, Psicologia, Ciência Política.
[3] A Teoria zetética do Direito
pode ser entendida pela oposição à Teoria dogmática do Direito, onde determinados
conceitos e fatos são simplesmente aceitos como dogmas. Em oposição, a zetética
coloca o questionamento como posição fundamental, o que significa que qualquer
paradigma pode ser investigado e indagado. Qualquer premissa tida como certa
pela dogmática pode ser reavaliada, alterada e até desconstituída pelo ponto de
vista zetético. A palavra "zetética" possui sua origem no grego
zetein que significa perquirir, enquanto "dogmática" origina também
do grego dokein, ou seja, doutrinar. Como
a palavra grega para designar isso é Zetein, estas tentativas podem ser
chamadas de zetéticas. A zetética jurídica corresponde às disciplinas que tendo
por objeto não apenas o direito, porém, entretanto, tomá-lo como um de seus
objetos precípuos.
[4] Para uma pesquisa mais
abrangente, ver: Nobre, Marcos, (et.al).
O que é pesquisa em Direito? Barueri/São Paulo: Manole, 2004.
[5]
Miguel Reale foi um filósofo, jurista, educador e poeta brasileiro. Foi um dos
maiores expositores da filosofia do direito dos séculos XX e XXI. Sua obra foi
reconhecida mundialmente e traduzida para o italiano, o castelhano e o francês.
Dentre as contribuições de Miguel Reale para a teoria geral do direito, a que
lhe atribuiu maior prestígio foi a teoria tridimensional do direito em que o
autor buscou integrar três concepções de direito: a sociológica (associada aos
fatos e à eficácia do direito), a axiológica (associada aos valores e aos
fundamentos do direito) e a normativa (associada às normas e à vigência do
direito). Assim, segundo essa teoria, o direito seria composto da conjugação
harmônica entre as três dimensões — a fática, a axiológica e a normativa —,
numa dialética de implicação e polaridade, em um processo histórico-cultural.
[6]
Esta e outras obras de Reale, nesta mesma perspectiva são: REALE, Miguel.
Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1999.
Introdução à Filosofia, São Paulo: Saraiva, 1988. Lições preliminares de direito, 15ª ed. São
Paulo: Saraiva 1987.
[7] Regimento Geral da Universidade
de São Paulo, aprovado pela Resolução n.º 3745, de 19 de outubro de 1990.
[8]
Para uma pesquisa mais abrangente, ver:
KELSEN, Hans. Autobiografia. 4 ed.. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2012. p. 107-109. ISBN 978-85-309-4106-2. SGARBI, Adrian. Hans Kelsen (Ensaios
Introdutórios). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. SANTOS, Jarbas Luis dos. O
Direito e Justiça - a Dupla Face do Pensamento Kelseniano. Belo Horizonte: Del
Rey, 2011. Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno, Júlio Aguiar de Oliveira Hans
Kelsen - Teoria Jurídica e Política - Andityas Soares de Moura Costa Matos.
Filosofia do Direito e Justiça na Obra de Hans Kelsen - Andityas Soares de
Moura Costa. Contra Natvram - Hans Kelsen e a Tradição Crítica do Positivismo
Jurídico - PIRES, Alex Sander Xavier. Justiça na Perspectiva Kelseniana.
Editora Freitas Bastos, 2013.
[9]
Ver também, DIAS TOFFOLI, RODRIGUES JUNIOR, José Antonio, Otavio Luiz (2012).
Hans Kelsen, o jurista e suas circunstâncias (Estudo introdutório para a edição
brasileira da "Autobiografia" de Hans Kelsen 4 ed. ed. (Rio de
Janeiro: Forense Universitária). p. XLVI.