Religião deriva do
termo latino "Re-Ligare", que significa "religação" com o
divino. Essa definição engloba necessariamente qualquer forma de aspecto
místico e religioso, abrangendo seitas, mitologias e quaisquer outras doutrinas
ou formas de pensamento que tenham como característica fundamental um conteúdo
Metafísico, ou seja, de além do mundo físico.
As
religiões são então um fenômeno inerente a cultura humana, assim como as artes
e técnicas. Grande parte de todos os movimentos humanos significativos tiveram
a religião como impulsor, diversas guerras, geralmente as mais terríveis,
tiveram legitimação religiosa, estruturas sociais foram definidas com base em
religiões e grande parte do conhecimento científico, "filosófico" e
artístico tiveram como vetores os grupos religiosos, que durante a maior parte
da história da humanidade estiveram vinculados ao poder político e social.
Apesar
de todo o avanço científico, o fenômeno religioso sobrevive e cresce,
desafiando os poderes constituídos, o que em certa medida são produtos das
próprias religiões. A grande maioria da humanidade, cerca de noventa por cento
professa alguma crença religiosa direta ou indiretamente. Assim, a Religião
continua a promover diversos movimentos humanos, e mantendo estatutos políticos
e sociais. Tal como a Ciência, a Arte e a Filosofia, a Religião é parte
integrante e inseparável da cultura humana, é muito provavelmente sempre
continuará sendo.
A religião faz parte da cultura, em outras palavras, é um fenômeno
cultural que reflete a cultura. A religião é constituída por mitos, rituais e
comportamento moral; ela interpreta o processo da cultura e pode interpretar
também a união ou a comunhão humana; ela nos diz algo sobre o significado de
comunidade. A religião expressa aquilo que é importante no processo cultural.
Dessa ênfase na “importância”, podem emergir idéias sobre “deve” e “não deve”,
“certo” e “errado”. Pode-se argumentar que esse processo que vai do ritual à
práxis, que identifica o que é importante para o “dever” ser, representa a
entrada da religião na ética, seja ela mais ampla ou particular.
Todas as sociedades conhecem alguma forma de
religião, pois esta é um fato social universal encontrado em todas as partes
desde os tempos mais remotos. Ao longo da história da humanidade surgiram
muitas formas de manifestação religiosa, religiões surgem e desaparecem mais
algumas resistem se transformam e estão presentes até hoje. A crença em algum
tipo de divindade ou ainda, o sentimento religioso são fenômenos generalizados
em toda sociedade e são inerentes ao ser humano. Como meio de controle social,
a religião é um dos mais eficientes e:
Dentro das mais variadas
culturas, o culto ao sobrenatural apresenta-se como fator de estabilidade
social e de obediência às normas sociais. As religiões e as liturgias variam,
mas o aspecto religioso é bem evidente. As pessoas procuram no misticismo e no
sobrenatural algo que lhes transmita paz de espírito e segurança. Por isso a
religião sempre desempenhou uma função social indispensável. (OLIVEIRA,
2002, p.169).
Sobre a
gênese das religiões há muitas explicações.
Uma delas parte da idéia de que o homem primitivo pensava a natureza
como animada, isto é, os animais, as plantas, astros e montanhas continham
espíritos. Essa teoria foi denominada
animista pelo antropólogo Edward Burnett Tylor ( 1832-1917). Ele partiu da
teoria evolucionista de Darwin e sustentava que junto à evolução cultural e
tecnológica verificava-se uma revolução religiosa que tendia do politeísmo ao
monoteísmo. Tylor pensava que as populações tribais não progrediram da Idade da
Pedra e, portanto praticavam esta mesma forma de animismo. Hoje essa tese não é mais aceita e o termo
animismo não é acolhido para tipificar as religiões tribais.
Há estudiosos
que considera as religiões como produto de fatores sociais e psicológicos.
Trata-se de uma idéia reducionista que limita a religião a um elemento de
relações sociais ou resultado da vida espiritual humana. Para Karl Marx, a religião, como a arte, a
filosofia, a moral e as idéias, são apenas uma superestrutura edificada sobre a
base do sistema econômico. O progresso histórico é regulado pelo modo no qual
está organizada a produção e por quem possui os meios, as fábricas e as
máquinas. A religião refletiria apenas estas relações fundamentais.
Hoje o estudo
da ciência das religiões propõe o conceito de religião como um elemento
independente na existência humana, vinculado aos fatores psicológicos e
sociais, mas também dotado de estrutura própria. É difícil, entretanto, encontrar um conceito de religião que se
adapte a todos os grupos humanos que professam uma fé e realizam seus cultos.
As diversas religiões não são todas comparáveis entre si e torna-se difícil
colocá-las sob um único referencial. Justamente porque há adeptos religiosos
que afirmam ser a sua forma de fé a única religião verdadeira, o que exclui
valores e sentido em todas as outras, uns denominam as outras de ilusórias ou,
no melhor dos casos, incompletas. Há
cientistas das religiões que preferem estudá-las singularmente, individuando-as
no seu contexto cultural e histórico. O problema aparece quando se pretende
fazer analogias ou aproximações que resultam de interpretações com critérios
diversos: alguns as consideram como produto de encontros e influências entre
grupos populacionais, assim, as idéias de fé e culto seriam transmitidas como
os conhecimentos culturais. Outros
procuram, através de confrontos, descobrir o que distingue o conceito de
religião em si.
A religião
reflete questões referentes ao transcendente: quem sou? De onde vim? Para onde
vou? Por que vivo? O que devo fazer? O vocábulo religião tem várias
interpretações. Alguns entendem como re-ligare, dando o sentido de
reatar. Ela tem a função de aproximar
pessoas que alimentam crenças comuns. Ela, neste sentido, é sim-bólica, enquanto une, dá sentido e
significado comum a um grupo.
“Nossa
palavra “religião” vem do latim re-ligare,
que quer dizer “ligar de novo”. O homem de fato mereceu seu nome quando
procurou ligar-se a seus mortos e, portanto, a um além da morte” [1].
Outros
entendem religião como relegere, isto é, reler, observar
conscienciosamente. Cícero dirá que a palavra religião vem do verbo legere: ler. E os sacerdotes antigos
eram considerados intelectuais que detinham vários saberes: os ritos, as leis
divinas e a moral que delas derivava.
A definição de religião, contudo, precisa
partir de um pressuposto fundamental: a noção de sagrado: “Religioso ou pio é
aquele para o qual algo é sagrado”, sentenciou o estudioso das religiões e
arcebispo sueco, Nathan Söderblom ( 1866-1931).
O conceito chave para estudar as religiões é a idéia de sagrado presente
em todas e em cada tradição religiosa. Este conceito foi introduzido no livro
de psicologia da religião: O Sagrado[2],
publicado em 1917 por Rudolf Otto. Para
quem a palavra sacro expressa a idéia
daquilo que é absolutamente diverso de todo resto e por isso não pode ser
descrito através de conceitos usados comumente.
Refere-se a uma especial dimensão do ser que Otto descreve como mysterium
tremendum et fascinosum, isto é, uma capacidade que, de um lado, faz temer
e, por outro, tem uma força atraente, difícil de resistir.
Apesar de sofrer críticas, Otto foi copiado e
suas idéias se desenvolveram no pensamento de outros estudiosos da
religião. É o caso do romeno Mircea
Eliade que trouxe uma nova contribuição para a ciência das religiões, através
de sua análise das diversas formas de experiência religiosa nos indivíduos,
mais do que trabalhar conceitos de Deus e religiões. Ele postula que o sagrado é o oposto ao
profano[3],
justamente porque a etimologia da palavra sagrado remete à idéia de separado,
consagrado, enquanto profano é aquilo que está fora da sacralidade. O ser humano reconhece o sagrado quando ele
se manifesta (revelação) de uma forma bem diversa do profano.
Esta
manifestação sacra, Eliade denomina de hierofania, palavra grega que
significa literalmente “algo sagrado está se revelando a nós”. Esta revelação pode ser uma planta, uma
pedra, uma pessoa, um livro ou um deus.
O livro, a pedra, ou a pessoa são venerados justamente porque, através
deles, o sagrado se manifesta.
Se o Mundo lhe fala através
de suas estrelas, suas plantas e seus animais, seus rios e suas pedras, suas
estações e suas noites, o homem lhe responde por meio de seus son sonhos e de
sua vida imaginativa. (ELIADE, 2002, p.126).
A religião
pode ser definida como o elo entre o ser humano e o sagrado. Ela estabelece o
vínculo do homem com o transcendente. O termo “sagrado” é básico para entender
uma tradição religiosa. É necessário,
portanto, defini-lo, diferenciá-lo de outros conceitos e caracterizá-lo. Em sua estrutura fundamental o sagrado é
sempre um ato misterioso, é a manifestação de algo totalmente Outro que não
pertence à ordem natural. O sagrado se
mostra e, ao se revelar no espaço e no tempo, deixa-se descrever. Essas
manifestações do sagrado, contudo, são mediadas por outras coisas. A mediação
evita que o Mistério seja objetivado, pois tudo permanece em forma de
linguagem, representação e símbolo, sem esgotar a alteridade do divino.
A busca pela transcendência pode
se manifestar na vivência das tradições religiosas ou por meio da
religiosidade. Toda tradição religiosa pretende responder às grandes questões
que povoam a inquietude humana. As
respostas são dadas pelas tradições de forma oral ou escritas, em seus livros
sagrados, ou ainda, nas suas formas celebrativas ou mesmo através de condutas éticas. Essas respostas partem de uma cosmovisão, ou
seja, de uma visão ser humano, de mundo e de Deus.
Barros
(2000), afirma que a religião é uma das dimensões mais importantes da vida humana,
na medida em que esta influência no sentido da vida e da morte, o modo como se encara
o mundo e os homens, as alegrias e o sofrimento, o modo como se vive a vida
familiar, a maneira como se interpreta e vive a sexualidade, a tolerância e o
racismo, a política, a profissão e entre outras situações da vida cotidiana.
William James[4] um dos
mais significativos representantes da Psicologia da Religião enfatiza que a
religiosidade é a maior das forças psicológicas do homem. Esta religiosidade
deve ser vista a partir de seu componente emocional e não
desde seu lado intelectivo e sócioinstitucional. O interesse deve ser
concentrando na experiência direta e imediata do religioso, o qual chamou de
experiência religiosa. Assim, entende a religião como sendo .sentimentos, atos
e experiências do individuo humano, em sua solidão enquanto se situa em uma
relação com seja o que for por ele considerado divino 1. (VALLE, 1998, p. 258).
Carl Gustav Jung (1990, p. 09) fundador da psicologia
analítica observou no decorrer de seu trabalho, principalmente na prática com
seus pacientes, que a religião possui uma inegável importância na vida do ser
humano. Notou a possibilidade de uma relação da psicologia prática com a
religião, apontando a existência de uma função religiosa no inconsciente.
[...] a religião é como . diz o vocábulo latino religere . uma acurada
e conscienciosa observação daquilo que Rudolfo Otto acertadamente chamou de
numinoso, isto é, uma existência ou um efeito dinâmico não causado por um ato
arbitrário da vontade. Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito
humano, mais sua vitima do que seu criador [...] o numinoso pode ser a
propriedade de um objeto visível ou o influxo de uma presença invisível, que
produzem uma modificação especial na consciência.
A
centralidade da religião na sociologia clássica é evidente. O fenômeno
religioso tem uma importância na compreensão da lógica interna da sociedade. Os
clássicos da Sociologia dialogaram com a religião na tentativa mais ampla de
individuar as características da nova sociedade, industrial, burguesa,
capitalista, moderna que estava se delineando no começo do século XIX. Durkheim
e Weber referendaram suas idéias nas mudanças sociais vigentes nas sociedades
européias, principalmente na crise e na decadência da autoridade das estruturas
religiosas. Esta propositura deu condições, sob ângulos precisamente originais,
para que Durkheim e Weber redescobrissem a relação entre a experiência
religiosa (as idéias e as práticas) e a sociedade moderna, ressaltando e tornando
inteligível o complexo papel da religião no desenvolvimento da consciência
humana (MACHADO, 1996, p. 13-14).
Dentro
da Sociologia, tem-se uma vertente destinada aos estudos dos fenômenos
religiosos, é a chamada de “Sociologia da Religião”. Seu objetivo é o de
compreender os efeitos sociais do “pertencimento religioso”, ou seja,
demonstrar como as crenças religiosas interferem no comportamento e nas tomadas
de decisões dos indivíduos. Nossa proposta aqui é estudar a religiosidade de
grupos sociais para entender como se deu esta formação, este sentimento
religioso do brasileiro e como ele lida com isso para enfrentar seus problemas
e dificuldades no cotidiano, tendo por tese que o povo brasileiro é considerado
um dos mais religiosos do mundo.
Deve-se aqui mencionar entre muitas obras que tratam
da religião com mais profundidade as obras: “O Ramo Dourado” de Frazer[1], de “Cultura
Primitiva” de Tylor[2], no qual
produz a teoria animista da religião primitiva, e de discípulos deste, Andrew
Lang e Marret que investiram a noção de mana, alma e fantasmas. Estes
estudos apontam o interesse científico acerca do fenômeno religioso,
redemarcando um espaço acadêmico para o estudo científico da religião, até
então de cunho teológico e doutrinário.
Émile
Durkheim[3],
considerado um dos pais da Sociologia, escreveu no século XIX:
“Diz-se
que a ciência, em princípio, nega a religião. Mas a religião existe.
Constitui-se num sistema de fatos dados. Em uma palavra: como poderia a ciência
negar tal realidade?” [...] “Sente-se dominado e envolvido por algo
que dele dispõe e sobre ele impõe normas de comportamentos que não podem ser
transgredidas, mesmo que não apresentem utilidade alguma”. (DURKHEIM, apud
OLIVEIRA, Luis F. e COSTA, Ricardo, 2007, p.169, 199).
Como
força motriz da formação da cultura, a religião para Durkheim vai promover a
dicotomia entre o profano e o sagrado. As coisas profanas adquirem, segundo
Durkheim, uma utilidade prática até poderem ser descartadas; já as coisas
sagradas, os objetos, idéias assumem valor superior aos dos indivíduos, possui
um valor de adoração que é superior ao próprio homem e é por este reverenciado.
O homem ocupa desta forma um lugar secundário no universo. Pra ele, a religião
possui características que a permite criar regras de comportamento e normas que
visem gerar a harmonia entre os homens; desta forma é através da religião que
as sociedades se estruturam e se organizam formando “uma imagem de si mesmas”.
Este interesse pronunciado pelo estudo das religiões
se manterá no início do século XX com a publicação de “As formas elementares da vida
religiosa” de Durkheim, entre outros, de autores como Levy-Bruhl com
estudos sobre a mentalidade mística, agindo como estímulo à criação de
formações acadêmicas nas universidades européias, como a de Religião Comparada
na École des Hautes Études da Universidade Sorbonne. Esta veio a ser dirigida
por Marcel Mauss[4]
e mais tarde por Lévi-Strauss. Na Grã-Bretanha destaca-se o King’s College,
ligado à Universidade de Londres, que possui um dos departamentos mais antigos
e renomados de Teologia e Estudos de Religião, cujo acesso recente a sua página
eletrônica, permitiu retirar a seguinte explicação da motivação dos seus
estudos na atualidade:
Para
Max Weber, a religião é na compreensão dos comportamentos religiosos que
chega-se ao entendimento sobre as atividades humanas, influenciando a maneira
de viver de um povo ou de uma cultura de massa. A religião estaria assim ligada
a outras atividades humanas, como por exemplo, a ética, a economia, a política.
Com sua célebre obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”,
Weber procurou demonstrar que ocorreu uma transformação do trabalho a partir da
ética protestante. Segundo Weber, “essa concepção de trabalho, protestante e
puritana, servirá perfeitamente para o aparecimento do capitalismo, que
necessitava de trabalhadores para gerar capital e lucros para a
burguesia.”
Para Durkheim (1912), a religião ordena o caos como também
desordena. Neste último caso, cabe a organização religiosa coibir a desordem com
seus meios coercitivos ou o aparelho de força da cultura de um povo. "As Formas Elementares
de Vida Religiosa", considerada a mais importante de Durkheim, estuda
notadamente a religião e seu relacionamento social:
A ação que a religião exerce sobre os homens é tão profunda que eles
sempre se inclinaram a dar à organização do Estado formas tomadas da
organização religiosa. Por toda a parte onde o soberano passa por ser o
representante da divindade, a liberdade não se pode estabelecer, porque o poder
daquele que fala e obra em nome de Deus é necessariamente absoluto. As ordens
do céu não se discutem. Simples mortais não podem deixar de inclinar-se e de
obedecer. Não conheço exceção a esta regra. Nos antigos impérios da Ásia, e nos
de hoje, nos Estados maometanos, como nos países católicos, onde os reis
reinavam por direito divino, os povos foram completamente escravizados.
(LAVELEYE: 1875, p.25).
Não se pode desvencilhar a
participação da religião na construção cultural dos povos.
Conforme
Durkheim (1998, p. 155),
A religião é uma coisa
eminentemente social. As representações religiosas são representações coletivas
que exprimem realidades coletivas; os ritos são as maneiras de agir que não
nasceram senão no seio de grupos reunidos e que estão destinados a suscitar, a
manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos. Mas então, se as
categorias têm origem religiosa, elas devem participar da natureza comum de
todos os fatos religiosos: devem ser, elas próprias, coisas sociais, produtos
do pensamento coletivo.
Mendonça (1988,
p. 42) mostra que existe uma dificuldade em definir religiosidade e religião.
Segundo ele, a religiosidade nem sempre está relacionada a uma religião
organizada e instituída. Ele definiu religiosidade como “a sensação generalizada
de que o mundo está sujeito a poderes ameaçadores da ordem [...] sejam de
amplitude universal ou simplesmente localizados no espaço e no tempo, estes
quando se referem a grupos humanos isolados sócio e geograficamente”. No mesmo
texto, Mendonça apresenta uma segunda definição de religiosidade, que seria “a
existência na consciência daqueles traços culturais de crença em poderes
benéficos e maléficos que, de alguma forma, regem a vida nos mínimos detalhes e
que podem estar subjacentes na aceitação de qualquer religião organizada,
introduzindo nelas modificações”. Na segunda definição, Mendonça relaciona a
religiosidade com a crença culturalmente construída e que pode, inclusive,
interferir nas religiões organizadas. Tal definição de religiosidade é a que empregamos
aqui e que foi muito bem explorada por Bittencourt (2003).
A religião, sob a abordagem da sociologia clássica, aparece como um
pretexto teórico, metodológico e epistemológico no estudo das causas sociais da
grande mudança social, da transição da sociedade tradicional para a industrial,
dos possíveis remédios para os problemas sociais e para as implicações no
tecido social. Temáticas e questões como a divisão social do trabalho e
desemprego, expansão e intensificação das desigualdades sociais, conflitos e
lutas de classes, anomia, desvios, entre outras, aparecem como preocupações
visíveis discutidas pelas teorias sociológicas durante o século XIX, em vista
de uma resposta intelectual de intervenção sócio-política. Foi na perspectiva
de considerar as situações sociais, coletivas, dotadas de uma dimensão ética,
que os clássicos da sociologia propuseram o problema da religião, pelo fato de
a terem considerado como um fator decisivo para se explicar as estruturas e os
processos que promoviam e condicionavam a ordem e o controle social nas
sociedades humanas (MARTELLI, 1995, p. 31).
A religiosidade serve para designar:
“[...] a forma e o sentimento com que cada
indivíduo vive suas crenças e práticas religiosas, independente de ele estar
filiado a uma instituição religiosa, mas também pode abonar auto-enquadramento
que o indivíduo afirma, quando em grande parte não está ele efetivamente
assentado em qualquer prática religiosa, outras vezes, ainda que inseguro, num
exercício agnóstico ou, ateísta definitivamente, o que é corroborado pelo fato
de já existir segmentos sociais que se aglomeram em torno de uma terapia
grupal”. (Revista Veja de 12.07.2006, pp.77-85).
As palavras
provocadoras de Filoramo em posfácio a seu livro em parceria com Carlo Prandi, “As
Ciências das Religiões”, quanto às repercussões desse campo
emergente ou ressurgente de saber no âmbito universitário (1999, p.290):
O estudo da religião em perspectiva científica, [...]
tem essa característica fundamental: ele é um convite ao estudo, não para que alguém
se torne isso (ou menos) religioso – o fato de existirem conseqüências desse
estudo é m efeito imprevisto, não fazendo parte das regras do jogo; estuda-se, segundo
o ethos do conhecimento que anima e funda esse tipo de trabalho, para poder
conhecer melhor essa complexa e cálida realidade, para poder melhor orientar-se
dentro dela, e conforme o caso, para poder escolher e decidir com conhecimento de causa.
Estudar
sociologicamente a religião é possível pelo fato de ser considerada como uma
importante chave para se compreender as estruturas, os processos sociais e
culturais de uma civilização. A tradição sociológica weberiana enfatizou e deu
prioridade a uma particularidade do fenômeno religioso, ou seja, privilegiou-se
o estudo da formação de uma ética protestante racionalista; Weber quis
compreender qual a influência do comportamento religioso sobre as outras
atividades, ética, econômica, política ou artística, e quis apreender os
conflitos que pudessem surgir da heterogeneidade dos valores que cada uma delas
pretendia servir (FREUND, 1987, p. 130).
A grande
hipótese de investigação de Weber é de que a vivência espiritual da doutrina e
da conduta religiosa, exigida pelo protestantismo, teria organizado uma maneira
de agir religiosa com afinidade à maneira de agir econômica, necessária para a
realização de um lucro sistemático e racional, daí o esforço em provar a
hipótese e a concepção de que havia estreitas relações existentes entre os
fundamentos religiosos do calvinismo e as estruturas mundanas do capitalismo. É
então possível sugerir que a corrente culturalista weberiana buscou compreender
e explicar o capitalismo através dos fatores externos à economia. O
capitalismo, sob este olhar metodológico e epistemológico, constitui-se a partir
do legado de um modo de pensar as relações sociais herdado pelas manifestações
da Reforma na Europa (de Lutero, mas principalmente mais ainda do calvinismo).
Weber não
estava preocupado em estudar a essência do fenômeno religioso, porém
interessou–se pela investigação do comportamento e da conduta significativa do
ser religioso, uma vez que está baseado e orientado significativamente de
acordo com determinadas experiências singulares, sobre representações
significativas e objetivos ordinários. É por isso que Weber quis demonstrar que
a conduta dos homens nas diversas sociedades só pode ser compreendida dentro do
quadro da concepção geral que esses homens têm da existência: é preciso
entender os dogmas religiosos e sua interpretação como partes integrantes dessa
visão de mundo para que se possa compreender a conduta dos indivíduos e dos
grupos (prioritariamente seu comportamento econômico). Esta é que se constitui
a área da sociologia religiosa weberiana.
Compreendendo
a religião como um constituinte da cultura, concorda-se que a sociologia das
religiões mundiais delineadas e constituídas por Weber é rigorosa e
fundamentalmente uma sociologia da cultura, pelo fato de provocar e efetuar um
estudo de estilos de vida e visões de mundo elaborado culturalmente,
materializado e cristalizado nas religiões.
O estudo
sociológico delineado em “A ética protestante e o espírito do capitalismo”
(1905), propôs o exame das implicações das orientações religiosas na
conduta econômica dos homens, procurando constatar a contribuição, a relevância
e a intervenção da ética protestante, essencialmente a calvinista, na promoção
e consolidação do moderno sistema econômico. A ética da acumulação e da
poupança proporcionaram o desenvolvimento do capitalismo. Weber compreendeu o
capitalismo como civilização, como um empreendimento significativo da
civilização do moderno mundo ocidental. O fio condutor que fundamentou o
pensamento weberiano foi a idéia da formação de um espírito racional e sua
concretização com a emergência e consolidação dos processos e das relações
capitalistas. Uma outra tese é a de que em nenhum outro lugar os movimentos
religiosos tiveram conseqüências tão amplas como teve no desenvolvimento do
mundo interior do Ocidente. Esta abordagem sugeriu que se explorasse a “a
relação entre as imagens religiosas do mundo e a possibilidade de inovação e de
mutação social; interroga-se sobre o futuro da sociedade ocidental,
caracterizada por um persuasivo e incontido processo de racionalização, que se
traduz no plano religioso em "desencanto do mundo” (Martelli, 1995, p.
75).
Na sociologia da sociologia weberiana que empreende, Ianni acredita
que, quando Weber se refere à religião, o que está em causa é tanto a religião
como a cultura; cultura esta da qual a religião é uma dimensão privilegiada,
mas não única. A religião pode ser compreendida como um elemento nuclear da
cultura. O estilo de vida e a visão de mundo envolvido sinteticamente na
religião em geral correspondem às dimensões essenciais da cultura (Ianni, 1995,
p. 118). Os fenômenos sociais, dentre os quais o religioso, são essencialmente
históricos. Acredita–se, dessa forma, que historicamente se individualizam; os
fenômenos sociais devem ser tratados como individualidades históricas. Os
fenômenos religiosos se particularizam, individualizam-se na história por
intermédio do estabelecimento concreto e real de determinados valores em
conjunturas e contextos históricos particulares. Daí, também, dizer que não é
coerente defender a propositura de que há elementos religiosos permanentes e
universais em tais fenômenos.
Na
compreensão de Martelli, a religião aparece, na abordagem simbólico-cultural
weberiana como “depositária de fundamentais significados culturais, pelos
quais indivíduos e coletividade são capazes de interpretar a própria condição
de vida, construir para si uma identidade e dominar o próprio ambiente” (1995,
p. 34). A teoria weberiana compreende que a religião é um relevante e
importante recurso simbólico para a sociedade, tendo em vista ter ela uma particularidade
em relação aos outros códigos culturais, fornecendo, assim, uma legitimação dos
significados sociais.
A questão
perseguida por Weber é se a religião tem um peso significativo ou se interfere
na organização social, na sua transformação, não pela inculcação de idéias ou
crenças, mas através das imagens que inculca em seus adeptos; estas imagens do
mundo não são puras representações essenciais do mundo à maneira de um espelho
que reproduz objetos ou pessoas que estão diante dele, mas elas têm um potencial
de racionalidade, ou seja, têm uma exigência de se entender o mundo com leis
próprias. Do contrário, seria inculcação de ilusão (Rolim, 1996, p. 18).
Aparece aqui
um problema sociológico de grande relevância, o da influência das concepções de
mundo nas organizações societárias e nas atitudes individuais. Isto quer dizer
que a visão de mundo orienta e comanda a direção e o destino dos interesses de
cada ator social.
Weber nos
ensina a pensar religião e ética associadas à imagem do mundo, uma vez que não
são as idéias (morais e materiais) que comandam a ação humana, mas é a visão de
mundo que aguça o agir dos homens nas trilhas e nos percursos construídos pelos
interesses. Ensina-nos mais ainda quando prova a concepção de que há estreitas
relações existentes entre as aspirações religiosas do calvinismo e as
aspirações mundanas do capitalismo (Weber, 1994); não queria afirmar com isso
que o capitalismo seria, simplesmente, um produto da religiosidade protestante
e que o moderno capitalismo poderia ser explicado suficientemente com essa
tese.
A sociedade
brasileira experimenta, diferentemente de outras épocas, uma liberdade
religiosa sem igual; já somos um país de diversidade religiosa; um país de uma
religiosidade no plural. Novas religiões e filosofias de vida despontam e progridem
aceleradamente, transformando o Brasil num país da pluralidade, mais tolerante
e cada vez mais desenraizado em matéria religiosa e em termos culturais
(Mariano, 1999, p. 119).
A ética dos
vários grupos religiosos tem reforçado os valores da cultura moderna,
explicitamente visualizados na capacidade dos atores religiosos de fazerem as
suas escolhas e opções e tomar decisões no âmbito privado de suas vidas.
A religião
faz parte da cultura, é um fenômeno cultural que reflete a cultura. A religião
é constituída por mitos, rituais e comportamento moral; ela interpreta o
processo da cultura e pode interpretar também a união ou a comunhão humana; ela
nos diz algo sobre o significado de comunidade. A religião expressa aquilo que
é importante no processo cultural. Dessa ênfase na “importância”, podem emergir
idéias sobre “deve” e “não deve”, “certo” e “errado”. Pode-se argumentar que
esse processo que vai do ritual à práxis, que identifica o que é importante
para o “dever” ser, representa a entrada da religião na ética, seja ela mais
ampla ou particular.
O indivíduo
e a comunidade cristã estão inseridos dentro de um contexto social bem maior, a
cultura, o mundo. O que eles têm a dizer ao mundo? Que responsabilidades eles
tem com a sociedade? O que a religião pode fazer para que haja um controle
social? Como ela interfere na cultura?
A comunidade
cristã não pode viver à parte da sociedade porque está inserida nela, por isso
a sua presença na sociedade não só reflete no caráter individual de seus
membros, como também no caráter coletivo da comunidade. Através de sua práxis,
a moral cristã dialoga e causa impactos no meio social e na cultura. Para que
haja mudança e transformação social tem que haver comprometimento com as normas,
ou seja, os meios tem que estar de acordo com os fins da própria ação.
Todo código
tem a pretensão de ser pleno, de ser suficiente para explicar todas as
hipóteses da vida. Mas o hábito de viver vai aos poucos influindo sobre as
normas, desgastando-as, por força do processo vital dos usos e costumes. Cabe
então aos agentes morais de tal código evitar o divórcio entre a realidade
social e certas normas.
Uma sociedade
quando na sua fase dita civilizada, construiu-se sempre, de algum modo, com o
auxílio mais ou menos carregado pelo ato de fé, que originalmente ou provinha
da religião,i concebida como "... um
sistema comum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de
universos históricos e culturais específicos." (Silva & Karnal
2002:13-14), ou da maturidade intelectual, explicável como uma idéia nascida no
âmbito da ciência e ou da poesia.
Desde o momento em que a religião deixou de ser algo visto
como divinamente criada na razão direta do avanço da ciência, deísmos e
ateísmos interpretaram “Deus” fora da esfera pública; após Descartes e Kant a
‘ciência dos deuses’ perdeu a legitimidade que consuetudinariamente
conquistara, passando a ocupar o espaço religioso unicamente, com o discurso
próprio do território.ii
O esvaziamento das instituições culturais faz com que um
país, uma nação, vergue seus ímpetos julgados mais saudáveis, ainda que se
releve o fato de que a “(...) necessidade da ruptura se torna, em
conseqüência, imperiosa, para restituir a dinamicidade ao que parecia ´sem
vida´.”(BORNHEIM: 1987:15), mesmo quando decline a qualidade do atributo
moral e intelectual, que se instaura incontinenti, como fato inegável:
As culturas
nacionais são compostas não somente de instituições culturais, mas de símbolos
e representações. Uma cultura nacional é um discurso – uma maneira de construir
significados que influencia e organiza tanto nossas ações quanto nossas
concepções sobre nós mesmos (Hall 1998: 39).
Ora, assim
afirmamos, porque, pelo viés da análise sociológica, a religião está inserida
na cultura, faz parte dela e interage com outras produções culturais. A
expressão religiosa não pode se manifestar a não ser por meios culturalmente
aceitáveis e comunicáveis, ou seja, há um fenômeno social em todo ato
religioso. Em outras palavras, a sociologia da religião parte da premissa que
toda forma de expressão religiosa, tanto a teórica (doutrinária) quanto a
prática (cultual), realiza-se por meio de convenções humanas e não sagradas.
Aqui, não entramos na discussão sobre a “verdade’, o divino ou a fé”. À parte
das considerações a respeito do fenômeno religioso, a expressão é
vivenciadamente construída entre e por seres humanos. Estamos, assim,
analisando o que objetivamente é produzido a partir da experiência religiosa,
formas concretas, culturais e sociais. Na essência é a própria religião que
assume uma forma socialmente construída, idéia que tomamos de Otto Maduro
(1983, p. 31), que entende por religião:
...uma estrutura
de discurso e práticas comuns a um grupo social referentes a algumas forças
(personificadas ou não, múltiplas ou unificadas) tidas pelos crentes como
anteriores e superiores ao seu ambiente natural e social, frente às quais os
crentes expressam certa dependência (criados, governados, protegidos, ameaçados
etc.) e diante das quais se consideram obrigados a um certo comportamento em
sociedade com seus ‘semelhantes’.
A definição
que tomamos de Maduro é parcial e não tem intenções de englobar todo o fenômeno
religioso. Ela é metodologicamente operacional e “procura recolher e expressar
um aspecto das religiões: o aspecto de fenômeno social presente em todo fato
religioso” (Maduro, 1983, p. 41). Isso quer dizer, que não há como uma religião
não se expressar a partir de produções sociais e culturais. Por isso é que
afirmamos que o protestantismo negou um tipo de cultura e não a cultura.
[1]
Frazer
[2]
Tylor
[3]
A obra deste autor com mais referência acerca da religião é As formas
elementares da vida religiosa
[4]
Maus. Ensaio sobre a dádiva...
[1]
DELUMEAU, J. De Religiões e de Homens, p.11.
[2]
Edição italiana: Il sacro. L’irrazionale nella Idea del divino e la sua relazione al razionale, Milão, 1989.
[3]
Do latim, profanus: fora do terreno sagrado.
[4] Do original de JAMES, W. The varieties of religious
Experience. 11. ed. Glascow: Collins and
Sons, 1982.